"Um Natal sustentável é, acima de tudo, um Natal mais humano"
- 10/12/2025
"Aproxima-se mais uma época natalícia. Como manda a tradição, começamos a preparar com antecedência a noite de Consoada e o Dia de Natal, para que tudo esteja perfeito na reunião da família.
Nesses dias, a mesa é recheada e os excessos são comuns: além de comermos mais do que o desejável, há pratos que nunca chegam a ser tocados, sobremesas que duplicam ou triplicam sem necessidade, compras que não foram pensadas e muitos desses alimentos acabarão no lixo. Deitar alimentos fora não é só um desperdício económico ou um dilema moral, é também uma oportunidade perdida de contribuirmos para a sustentabilidade do nosso planeta.
Nos últimos anos, adensam-se as evidências de que a produção de alimentos é dos fatores que mais contribui para a produção de gases com efeito de estufa e consequentes malefícios para o planeta. Daí que o combate ao desperdício alimentar é uma das medidas muito eficazes em termos de sustentabilidade ambiental, como defende o grupo de especialistas que tem vindo a estudar como é que conseguiremos continuar a alimentar a população mundial, permitindo-lhes a satisfação das suas necessidades nutricionais, de forma sustentável (este grupo é conhecido por EAT-Lancet e publicou o seu primeiro posicionamento em 2019).
Elisabete Pinto é coordenadora da Licenciatura em Ciências da Nutrição da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa© Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa
Atrevo-me a deixar alguns conselhos que, na minha opinião, permitirão que todos vivamos um Natal em pleno, sem excessos alimentares, mas com abundância de partilhas e de conexão.
Cozinhar em família: tradição que alimenta corpo e planeta
Uma das propostas mais poderosas - e talvez a mais simples - para um Natal mais sustentável é esta: prepare as refeições em família. Não apenas a ceia, mas também as sobremesas. Transforme a cozinha num espaço vivo, onde se contam histórias, se passam saberes entre gerações, se aprende e se experimenta. Isto, por si só, reforça laços que nenhum presente embrulhado consegue igualar.
Ao mesmo tempo, cozinhar em conjunto ajuda a planear melhor. Quando todos participam, há mais consciência da quantidade necessária, das escolhas feitas, dos ingredientes utilizados. Evita-se, assim, o excesso — tanto no prato, como no desperdício alimentar.
E quando somos nós a preparar as refeições e temos consciência da quantidade, por exemplo, de manteiga, de natas ou açúcar que colocamos numa iguaria, será muito mais fácil de ser regrado no tamanho das porções que nos servimos.
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Privilegie ingredientes e receitas locais e a cultura gastronómica
Se juntarmos a este cenário o uso de ingredientes locais e sazonais, o impacto é ainda mais positivo. Os alimentos produzidos perto de nós têm menor pegada ecológica e, muitas vezes, maior valor nutricional. Além disso, dinamizam o comércio local e permitem recuperar sabores e receitas que fazem parte das memórias das nossas famílias e regiões — aquelas que verdadeiramente dão identidade ao Natal. Num mundo global, é cada vez mais desafiante identificarmos o que realmente faz parte das tradições locais. A propósito, o tronco de Natal que está em tantas mesas portuguesas é, na verdade, típico de França, o panetone é um doce de Natal típico de Itália e o bolo de gengibre típico dos Estados Unidos e de alguns países do norte da Europa. Mesmo o tão português pão-de-ló não era originalmente um bolo típico de Natal, mas antes da Páscoa.
Menos desperdício, mais saúde, mais propósito
Manter a preocupação com a saúde e com a sustentabilidade durante a época natalícia não significa abdicar do prazer à mesa, nem de eliminar o que tanto gostamos (na minha opinião, que sei não ser consensual, nem é necessário grandes alterações das refeições que as desvirtuam). É apenas estar mais consciente das quantidades que compramos ou preparamos e no tamanho das porções que ingerimos. Se for apropriado para a sua dinâmica familiar, pode até optar por preparar algumas sobremesas no Natal e outras no Ano Novo (refiro-me, por exemplo, às filhós, rabanadas, azevias, coscorões, sonhos).
Finalmente, se conseguir dividir as sobras com os seus convidados ou congelar as sobras para outras refeições, também é uma forma inteligente de evitar o desperdício. Afinal, nas nossas tradições consta a ‘roupa velha’ ou o ‘farrapo velho’, dependendo das localidades, prato típico feito a partir das sobras da ceia de Natal e que é uma forma muito interessante de evitar o desperdício.
Um convite para este Natal
Deixo-vos um convite para este Natal: voltem às tradições que contam. Cozinhem juntos, planeiem em conjunto, criem memórias e evitem os desperdícios. Porque um Natal sustentável é, acima de tudo, um Natal mais humano."














