Torna-se agente infiltrada após noivo (polícia) a alvejar 10 vezes
- 19/11/2025
Katrina Brownlee estava grávida de cinco meses, quando o seu ex-noivo a atacou. Tinha 22 anos, na altura, e já era mãe de duas meninas, com as quais vivia nas ruas de Nova Iorque, por não ter dinheiro.
Foi numa manhã fria de janeiro de 1993 que Katrina decidiu regressar à casa que partilhava com o ex em Long Island, no estado norte-americano de Nova Iorque.
"Eu só queria reaver o pouco que tinha", contou ao The Guardian. "Eu não tinha dinheiro, era sem-abrigo, estava grávida, com duas crianças pequenas. Estava numa má altura", acrescentou.
O seu ex deixou-a entrar dentro da casa sem fazer alarido. Katrina ia com a filha mais nova, de apenas dois anos. A mais velha, de sete anos, tinha ficado a brincar com um amigo, na casa dos pais dele.
Lá dentro, Katrina deixou a filha no quarto que tinha sido da sua mais nova e foi até ao de casal, onde tinha os seus pertences - mas as gavetas estavam vazias. A mulher de 22 anos saiu do quarto à procura do seu ex para exigir explicações. Encontrou-o na sala, com uma arma apontada diretamente à sua barriga.
Katrina tinha conhecido o ex-noivo com 18 anos. Ele era seis anos mais velho, tinha um bom carro e fazia carreira como guarda prisional. Era um símbolo de estabilidade, algo que Katrina - cuja mãe a tinha abandonado no hospital em recém nascida - nunca tinha tido.
Katrina foi alvejada dez vezes no espaço de uma hora e meia
O homem disparou três vezes. Katrina conta que se lembra do cheiro a fumo, de ver a sua barriga de grávida a "ficar lisa" e de estranhar o facto de não haver sangue.
Movida pela adrenalina, ou pelo seu instinto de sobrevivência, a mulher conseguiu trancar-se no quarto de casal, onde tentou ligar para as autoridades, mas sem sucesso. O seu ex tinha, de alguma forma, interferido com a rede móvel.
De seguida, tentou escapar pela janela do quarto, mas, mais uma vez, o seu ex tinha antecipado a tentativa: as janelas estavam fechadas com pregos.
Foi nessa altura que Katrina começou a gritar, por si e pela sua filha que, "miraculosamente" permaneceu quieta no quarto ao lado. Na sua cabeça só pensava que o homem ia conseguir matá-la e à sua filha sem que ninguém se apercebesse que algo estava errado "Ninguém sabia que eu estava lá. Ninguém nos ia visitar", recordou.
Na hora e meia de terror que se seguiu, Katrina foi baleada outras sete vezes: uma no braço, uma na nádega, uma na anca e quatro vezes na vagina.
"Não queres estar comigo?", perguntou o homem durante o ataque. "Eu dei-te tudo o que querias, e mesmo assim não foi suficiente!"
Katrina acabou por perder os sentidos. Foi encontrada mais tarde na banheira pelo ex de uma prima, que tinha falado com o parceiro de Katrina horas antes e ficou alarmado com o tom do homem. Foi ele que a levou para o hospital e - de certa forma - lhe salvou a vida.
Parceiro tinha historial de violência. Polícia nunca ajudou
A relação com o seu ex-noivo nunca tinha sido fácil. Katrina descreve-o como um homem de temperamental, rápido a zangar-se e a tornar-se violento.
Durante os quatro anos em que estiveram juntos, a mulher chamou a polícia três vezes devido a situações de violência doméstica. Os agentes chegavam, o seu então noivo mostrava o distintivo e tudo ficava na mesma.
Katrina ficou nove dias em coma depois da agressão. Acordou ainda atordoada, sem saber muito bem onde estava ou o que tinha acontecido. Mesmo assim, havia notícias que não podiam esperar: a filha que tinha no ventre não tinha sobrevivido e Katrina nunca mais voltaria a andar. Seis das dez balas disparadas continuavam (e continuam até hoje) no seu corpo.
O internamento da mulher cuja sobrevivência era considerada um "milagre" pelos médicos durou três semanas. Durante esse período começou um processo de fisioterapia que, apesar de parecer inútil no início, começou a dar frutos. No final do verão, Katrina conseguia andar sem qualquer tipo de ajuda.
Enquanto isso, começava o julgamento do seu agressor. Em vez da sentença entre 25 anos a prisão perpétua, o júri decidiu que o homem iria cumprir entre 5 a 15 anos na cadeia. O ex-noivo acabou por cumprir 10 anos de prisão pelos crimes.
Katrina torna-se agente na polícia de Nova Iorque
Katrina só começou a reconstruir a sua vida vários anos depois. Foi apenas aos 27 anos que decidiu entrar na academia de trânsito do departamento policial de Nova Iorque e começar aulas noturnas durante a noite para terminar o secundário (algo que só conseguiu com a ajuda do então namorado). Pouco depois, realizou e passou no exame para polícia, tornando-se uma agente da autoridade em 2001.
"Queria ser uma boa polícia", explicou sobre o que a tinha motivado. "Se uma pessoa como eu não entra e tenta colmatar as diferenças entre a comunidade e a polícia, então quem é que o faz?"
Katrina destacou-se como polícia infiltrada, especialmente nas áreas do narcotráfico e do combate à prostituição. Nesse mundo conhece diversas mulher que "tinham histórias semelhantes": "A maioria, se não todas, tinham sofrido algum tipo de abuso ou negligência".
Após 20 anos no serviço, Katrina decidiu sair da força em 2021.
Agora, com 55 anos, dedica a sua vida ao ativismo e à mentoria de mulheres que passaram por situações semelhantes à sua, falando abertamente sobre o seu passado e a violência que sofreu. Katrina defende nova legislação que proíba que pessoas condenadas por violência doméstica tenham acesso a armas de fogo e ainda a criação de um registo de acesso (semelhante àquele que existe para crimes sexuais) para estas condenações.
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A violência doméstica é crime público e denunciar é uma responsabilidade coletiva. Se precisar de ajuda ou tiver conhecimento de alguma situação de violência doméstica participe:
- Linha Telefónica de Informação às Vítimas de Violência Doméstica: 800 202 148 (gratuito, 24h/dia)
- No Portal Queixa Eletrónica, em https://queixaselectronicas.mai.gov.pt/
- Via telefónica, através do número de telefone: 112
- No Posto da GNR mais próximo à sua área de residência, tendo os nossos contactos sempre à mão em www.gnr.pt/contactos.aspx
- Na aplicação App MAI112 disponível e destinada exclusivamente aos cidadãos surdos, em http://www.112.pt/Paginas/Home.aspx
- Na aplicação SMS Segurança, direcionada a pessoas surdas em www.gnr.pt/MVC_GNR/Home/SmsSeguranca.
- Através de email para a PSP: violenciadomestica@psp.pt
Acredita que poderá ser vítima de algum tipo de violência, no namoro ou em casa?
AMCV - Associação de Mulheres contra a Violência - 213 802 165
APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 116 006 (08h às 23h, dias úteis)
Email da CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género - violencia@cig.gov.pt
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