Sem-abrigo recordado por Francisco faz parte de obra de arte no Vaticano
- 26/12/2025
Burkhard Scheffler, um homem em situação de sem-abrigo que, após a sua morte, foi por várias vezes lembrado ainda pelo Papa Francisco, volta a ser lembrado no dias de hoje. Em causa está uma obra de Michael Triegel, um artista alemão que se inspirou nele para uma obra.
Tudo começou em 2018, quando o artista se deparou em Roma, Itália, com este homem. Triegel encontrou este homem a pedir dinheiro numa igreja e assim que ele lhe deu algum, percebeu que o homem poderia ser uma inspiração para se alguma vez ele precisasse de pintar aquele que foi o primeiro Papa. Segundo explicam as publicações internacionais, Triegel disse que o homem olhou para ele e que foi nesse momento que ele teve o pressentimento: "Se alguma vez precisar de São Pedro, ele vai será perfeito - com barba longa e os olhos atentos."
Triegel explicou ainda que, em italiano, perguntou ao homem se o poderia fotografar e também desenhar, e que este assentiu com a cabeça: "Não faço ideia de onde é que ele era."
Sete anos depois, não só há uma obra feita à - e com - a imagem deste homem, como a mesma também vai agora estar no Vaticano, por pelo menos dois anos.
Um ano depois, a oportunidade surgiu
No ano seguinte, em 2019, Triegel ficou encarregado de criar um painel central para a catedral protestante de Naumburg, no altar feito pelo artista renascentista Lucas Cranach. O painel estava planeado substituir um original, destruído em 1541 durante a reforma protestante, período de turbulência na Europa do século XVI.
Segundo é explicado, os dois painéis laterais do altar não ficaram destruídos, e a entrada de Triegel em ação iria tornar a situação numa "oportunidade de colaboração com Cranach", como descreveu o artista alemão.
"Tiveram a ideia de reconstruir este altar, num gesto que considero belíssimo - não para desfazer as feridas do século XVI, mas para atenuá-las, para curá-las", disse ele numa entrevista no seu estúdio ao jornal National Catholic Reporter (NCR).
Como foi parar a imagem deste homem ao Vaticano?
Tal como a NCR explica, o artista trabalhou no painel durante três anos e há ainda outras inspirações nele. Para além do homem em situação de sem abrigo, que no quadro usa um boné vermelho, assumindo o papel de Pedro, primeiro Bispo de Roma e um dos apóstolos de Jesus Cristo, há outras inspirações. Triegel explicou que para ele importava que as imagens não fossem idealizadas, mas sim figuras que a pessoa que olhasse para o quadro sentisse como pessoas com as quais se pudesse identificar, "no aqui e agora, que não fossem apenas figuras históricas".
Já São Paulo, também representado no quadro, foi inspirado num rabino que Triegel desenhou em Jerusalém - e Maria foi inspirada na filha do artista. Ao fundo, há o pastor protestante e teólogo Dietrich Bonhoeffer, um opositor dos nazis que foi executado em 1945.
No entanto, em julho, levantaram-se preocupações sobre a possibilidade de o altar Triegel-Cranach colocar em risco o lugar da catedral na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Enquanto alguns especialistas discutiam esta questão, surgiu a decisão de que o altar se podia manter, não poderia ficar na zona oeste da capela, tendo que ser exibido noutro local.
Ainda durante esta troca de ideias, surgiu a de emprestar o altar à capela católica do Colégio Pontifício Teutónico, no Vaticano, local que é uma residência para padres de língua alemã adjacente ao cemitério. A capela possui um altar próprio da mesma época do original de Cranach.
Foi já no local que tudo se alinhou, e que a situação levou Triegel a pensar que "não existem coincidências". Isto porque, já nesta capela, houve alguém que reconheceu Burkhard Scheffler. "Alguém disse: 'Nós conhecemos este homem com o boné vermelho - ele morava aqui na Praça de São Pedro'", explicou Triegel à publicação, dando conta e que foi o monsenhor Peter Klasvogt, reitor do Campo Santo Teutónico, que falou como o complexo é conhecido. "Foi um momento inesquecível", apontou.
O altar está agora a emprestado à capela por dois anos, a poucos passos do túmulo de Scheffler, que foi enterrado no local. O túmulo deste fica, por sua vez, fica a poucos passos do túmulo de São Pedro.
Mas que ligação tinha Scheffler ao Papa Francisco?
Scheffler vivia como pessoa sem-abrigo na zona do Vaticano, e, durante a pandemia de Covid-19 terá sofrido o impacto dos confinamentos, nomeadamente, com poucas pessoas a saírem á rua para ajudarem quem não tinha casa. Em 2020, foi detido depois de ter ameaçado uma pessoa com uma face. Segundo é explicado pelo NCR, ter-se-ão recusado a dar-lhe um troco.
O homem foi detido e, em 2022, acabou libertado, mas visivelmente mais debilitado, de acordo com o que explicou Gudrun Sailer, uma jornalista do Vaticano. "As suas mãos, que estavam sempre quentes, ficaram geladas", notou esta jornalista ao recordá-lo.
Scheffler morreu a 25 de novembro desse ano
A morte deste homem que vivia em situação de sem-abrigo não passou despercebida no Vaticano, com a instituição a emitir um comunicado horas após a morte. "Infelizmente, a chuva e o frio da noite passada contribuíram para agravar seu estado de saúde frágil", apontou o porta-voz do Papa Francisco, lembrando não só este homem como "todos aqueles que são forçados a viver sem um lar, em Roma e no mundo".
O próprio Papa Francisco se referiu na sua oração de domingo a este homem, dizendo: "Lembro-me de Burkhard Scheffler, que morreu há três dias sob a colunata da Praça de São Pedro: morreu de frio."
Já no Domingo de Ramos seguinte, Francisco voltou a recordá-lo: "Penso no chamado morador de rua alemão, que morreu sob a colunata, sozinho e abandonado. Ele é Jesus para cada um de nós. Tantos precisam da nossa proximidade, tantos estão abandonados."
O Papa pediu de Scheffler fosse sepultado no cemitério teutónico, ao lado de muitos padres, peregrinos e figuras ilustres de língua alemã. O túmulo fica na pequena área reservada aos peregrinos, à sombra da Basílica de São Pedro e a poucos metros do túmulo do verdadeiro São Pedro.
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