Relatório "Riscado" sobre descolonização de Timor-Leste vai ser reeditado
- 22/11/2025
"Vamos republicá-lo, porque quando o relatório é publicado, e usando as palavras do jornal Expresso da altura, o Expresso produziu um pequeno texto que dizia: 'A montanha pariu o rato'", afirmou Zélia Pereira, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova.
Segundo a investigadora, quando se lê o relatório nada daquilo que se pensava aparece no documento.
"Ou seja, os grandes crimes de traição cometidos pelos militares portugueses, as supostas filiações partidárias dos militares, os favorecimentos a um partido ou a outro, ou as acusações de que Portugal iria entregar Timor à Indonésia, nada disso aparece refletido de uma forma assim tão obscura no relatório", explicou Zélia Pereira.
"O relatório é bastante neutro, obviamente deixa subentender algumas coisas que não correram bem e que poderiam ter corrido de outra forma caso as decisões tivessem sido outras em 1974 e 1975, mas o relatório não imputa responsabilidades a ninguém", salientou.
O projeto, que é também coordenado por Pedro Aires de Oliveira, professor de história na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, está a ser financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o apoio da comissão para a celebração do 50.º aniversário do 25 de Abril, no âmbito de um concurso para projetos exploratórios.
A comissão para a análise e esclarecimento do processo de descolonização de Timor-Leste foi criada pelo antigo Presidente Ramalho Eanes.
O documento, também conhecido por "relatório Riscado" porque a comissão foi presidida pelo brigadeiro Francisco Riscado, esteve "anos na gaveta" de Ramalho Eanes, que decidiu mantê-lo secreto, depois de o receber, apesar da pressão do Governo liderado por Francisco Sá Carneiro e depois por Francisco Pinto Balsemão.
O relatório acabaria por ser publicado, pela primeira vez, em 1981, na sequência da grande polémica criada com o programa da RTP "Grande Reportagem", que lançou acusações a políticos e alguns militares que estiveram envolvidos na questão de Timor-Leste.
O documento foi publicado pela presidência do Conselho de Ministros, juntamente com o Relatório do Governo de Timor (1974-1975), da autoria do último governador português em Timor-Leste, general Mário Lemos Pires.
A reedição do relatório, que deverá ser publicada em 2026, acontece também depois de terem sido desclassificados os testemunhos de mais de 80 militares e de alguns civis ouvidos pela comissão entre agosto de 1976 e início de 1977.
"São testemunhos muitíssimo interessantes porque retratam as dificuldades internas de cada um, aquilo que eram as dúvidas que suscitavam a quem aqui estava no momento sobre o destino que este país deveria ter, divergências de opinião entre militares", explicou a investigadora.
Para Zélia Pereira, aqueles testemunhos vão permitir "revisitar o relatório, revisitar algumas ideias feitas sobre o que aconteceu em Timor em 1974, 1975" e requestionar sobre "ideias que são assumidas e que hoje podem ser vistas com outras 'nuances'".
A investigadora deu como exemplo o delegado do Movimento das Forças Armadas em Timor, o major Arnão Metello.
"É ele que começa a tomar as rédeas em maio de 1974 no sentido de se formarem as associações políticas e quis saber o que as Nações Unidas entendiam por autodeterminação e quando toma nota daquilo que são as resoluções das Nações Unidas dos anos 60 sobre o destino dos povos e vê as várias opções e uma delas é a integração num outro país, ele assume que essa é também uma possibilidade", salienta.
Arnão Metello foi acusado de ser o pai da Associação Popular Demiocrática Timorense (Apodeti), que defendia a integração na Indonésia.
"Hoje, e tendo em consideração que o arquivo pessoal de Arnão Metello está disponível ao público, olhando para aquilo que ele fala na altura, é muito difícil continuar a sustentar uma ideia destas, até porque ele acaba por estar na base do apoio à formação da UDT e da Fretilin", afirmou Zélia Pereira.
Logo após o 25 de abril, foram criadas a União Democrática Timorense (UDT), a Associação Social Democrática Timorense (ASDT) e a Apodeti.
A UDT e a ASDT (transformada em Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente - Fretilin) queriam ambos a independência, mas divergiam quanto à forma de a fazer, e a Apodeti defendia a integração do território na Indonésia.
A proclamação unilateral da independência de Timor-Leste acabaria por acontecer em 28 de novembro de 1975, mas nove dias depois, em 07 de dezembro de 1975, a Indonésia concretizava a ocupação do território, que só terminou com a realização do referendo à autodeterminação do país, em 30 de agosto de 1999.
Timor-Leste restaurou a independência em 20 de maio de 2002.
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