"Quase não fui, mas ir foi melhor. É muito difícil estrangeiro firmar-se"
- 23/12/2025
Terminou recentemente as gravações da sexta temporada de "Impuros", da Diney+, no Brasil, e participou, em paralelo, nos filmes brasileiros "A Versão da Mãe" e "A Versão daLei". Estes foram os mais recentes projetos de Pedro Carvalho no mundo da representação e dos quais falou em entrevista ao Notícias ao Minuto.
O ator é ainda dono de uma produtora, a 3 Monkeys Filmes, e é também proprietário de negócios ligados à hotelaria, em Lisboa, que também foram tema de conversa. Aliás, tendo estudado arquitetura, esse 'bichinho' acabou por dar frutos.
Pedro Carvalho assume-se como um "ator criativo que gosta de viabilizar projetos", referindo que "não é produtor" nem "nunca teve essa ambição".
O ator não deixou também de refletir sobre a "competitividade" para "provar a si mesmo que é capaz". E tudo, diz, "foi acontecendo muito naturalmente".
Há dez anos a dividir a sua vida entre Portugal e Brasil, e apesar de nestes últimos tempos estar mais ligado a projetos do outro lado do Atlântico, Pedro Carvalho confidencia que tem "saudades de trabalhar" no país natal.
As armas são pesadas de verdade, pesam cerca de dez quilos. Lembro-me de que nos primeiros ensaios já ficava de rastos, a pingar mesmo
Acabou de gravar a sexta temporada de "Impuros", da Disney+, no Brasil, onde interpreta Ygor, um polícia corrupto que se envolve no tráfico de droga. Como foi fazer parte desta série?
Foi um projeto muito especial porque, primeiro adoro os realizadores, o René Sampaio e o Tomás Portella, era uma equipa com quem já queria trabalhar há muito tempo. Depois, a forma de filmagem é muito realista. Fomos mesmo para as favelas, tínhamos de sair sempre das favelas com uns coletes próprios para nos identificarem como pessoas da produção ou do elenco. É tudo muito real e é uma série que tem muito sucesso, já tem seis temporadas.
O meu personagem é o Ygor, que é um polícia brasileiro que faz parte da investigação de antitráfico. Durante a temporada as pessoas vão achar sempre que ele é um tipo do bem e que está na parte dos bonzinhos, mas depois vai-se revelar e é exatamente o contrário. Está como infiltrado porque vai acontecer uma coisa muito importante - que é o resgate de um dos personagens importantes da outra temporada - e ele vai estar no meio dessa operação, mas para conseguir ter o dinheiro desse resgate...
É um personagem que me desafiou muito. Já tinha feito um filme de guerra, com armamento, aprendi a trabalhar com armas, que foi o "Segundo Homem", de Thiago Luciano, que está na Star+. Tinha tido aulas e treino de arma, de marcha, de tropa e tudo mais porque foi um filme muito intenso, mas desta forma operacional de como é que a polícia entra nas favelas, como é que faz os resgates das vítimas… Nunca tinha vivenciado isto. Foi muito interessante todo o processo.
O que mais marcou ao estar mais perto desta realidade?
É tudo muito rápido. Não há muito tempo para pensar. Tem de parecer tudo muito real e ali, na produção, somos todos muito treinados como se fôssemos mesmo parte do exército. As armas são pesadas de verdade, pesam cerca de dez quilos. Na imagem, se puseres uma arma de plástico não tem o mesmo impacto.
Lembro-me de que nos primeiros ensaios já ficava de rastos, a pingar mesmo. É tudo muito câmara à mão, ou seja, plano de sequência em que eles andam mesmo connosco e acontece mesmo uma guerra ali.
O último episódio desta última temporada de "Stranger Things", que é uma sequência de guerra fabulosa em que tudo acontece com um plano de sequência? É tipo isto.
Por exemplo, uma cena de entrar na favela, de fazer um resgate, tudo isto, demorávamos, às vezes, uma semana e meia ou duas para filmar só um plano de sequência. Foi muito desafiador. É quase uma coreografia. Todos tínhamos de estar muito alinhados porque ao mesmo tempo que estamos ali a viver a cena, temos de atuar e que estar posicionados para a câmara, temos de saber atirar nos momentos certos, saber dar as nossas falas - por muito que seja tudo embrulhado uns com os outros para parecer real, temos de estar todos muito atentos e sincronizados.
Foi espetacular, gostei muito de fazer, senti-me dentro do filme "Cidade de Deus". Foi uma experiência fabulosa e a equipa é incrível.
Não tinha ideia da quantidade de casos no Brasil de pais que abandonam as mães que acabam de ter os filhos, que abandonam os lares. São para lá de milhares
Tinham contacto com as pessoas que vivem lá?
É uma favela desativada. Para se filmar esta - ou qualquer outra - cena na rua, a produção tem sempre de pedir autorização à prefeitura, no caso, à Câmara Municipal da região. Portanto, a comunidade já está avisada de que isto vai acontecer. Existe muita segurança, policiamento. Não existe qualquer margem para perigo. E é muito interessante porque todos os moradores colaboram muito e adoram.
Também participou em dois filmes brasileiros, "A Versão da Mãe" e "A Versão da Lei", realizados por Ninna Fachinello, com produção da Porto Bello Filmes e da Coletiva Delas - ambas produtoras formadas exclusivamente por mulheres. Vão ambos estrear no próximo ano?
É uma história real, o personagem que faço é inspirado numa pessoa real. É uma história de alienação parental. Infelizmente, existe muito e eu não tinha ideia da quantidade de casos no Brasil de pais que abandonam as mães que acabam de ter os filhos, que abandonam os lares. É uma coisa assustadora. São para lá de milhares. E depois não querem contribuir com financiamento absolutamente nenhum, não querem cumprir com as obrigações parentais.
Esta é uma história de um homem, que é o meu personagem, que também se chama Pedro, que abandona a mulher quando ela acaba de ter a filha. Ele volta um tempo depois a querer essa reconciliação, mas na verdade é porque eles vivem uma relação muito abusiva e falam muito sobre violência contra a mulher. A história central é esta.
"A Versão da Mãe" é a visão desta mulher sobre todo o caso, que aborda mais a relação dos dois, a relação abusiva deles. É mesmo um filme de terror, todas as situações abusivas deste personagem para com ela. "
A Versão da Lei" é o ponto de vista de uma delegada negra que investiga este caso, ou seja, a história acontece na mesma, mas é o ponto de vista de outro personagem.
Os guiões são muito interessantes. "A Versão da Lei" vai estrear em 2026. "A Versão da Mãe" vai estrear ou no final de 2026, em princípio, ou no início de 2027. Ainda vai percorrer festivais e tudo mais, e depois vai para os grandes ecrãs porque é um filme muito financiado pela lei do audiovisual brasileiro.
Quase não fui, mas resolvi ir e foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Hoje em dia tenho acesso a um mercado de trabalho muito grande
Está no Brasil há uma década. Em entrevistas anteriores já referiu que ao início foi difícil e até estava na dúvida sobre se devia aventurar-se ou não no 'país-irmão'. Mas hoje acredito que iria sem pensar duas vezes...
Sim, sem pensar. Quando recebi o convite foi completamente de paraquedas, porque nunca tive a pretensão de ir para o Brasil. Tinha muita vontade de ir para Espanha, porque tenho empresário em Espanha, estudei espanhol, estudei numa escola espanhola, na Corazza, ou seja, falo fluentemente e sempre tive aquela vontade de ir para Espanha.
Tinha contrato com a TVI e já estava a fazer o meu percurso todo em Portugal e surgiu este convite - porque estavam à procura de um ator português que fosse conhecido em Portugal - para fazer o protagonista de uma novela de época. O autor e o realizador viram o meu material, o meu trabalho, e disseram que me queriam a mim. Recebi o telefonema quando estava a sair do ginásio. [risos]. Disseram que se aceitasse a proposta na semana a seguir tinha de estar no Brasil. Foi uma loucura porque já estava a ensaiar a novela seguinte que ia fazer na TVI…
Quase não fui porque foi assustador e de repente, mas resolvi ir e foi a melhor decisão que tomei na minha vida. Primeiro, a nível de carreira não tem comparação. Hoje em dia, tenho acesso a um mercado de trabalho muito grande e já consegui fazer coisas e trabalhar com pessoas que admiro muito, e espero continuar a fazê-lo.
E depois porque me tornei uma pessoa, um artista, um homem muito mais feliz a todos os níveis, mais realizado. É muito difícil um estrangeiro ir para um país e firmar-se. Só quem vive isto é que sabe o quão difícil é, porque se a concorrência já é muita num país que é premium em dramaturgia, imagina receberem um estrangeiro que de repente vai ocupar um lugar...
Hoje em dia é um bocadinho mais natural esse processo comparando com há dez anos?
Completamente! Hoje em dia, o mercado é muito mais internacional, mais aberto a este tipo de situação. Há dez anos quem é que tinhas no Brasil? Fui eu, o Ricardo Pereira, o Paulo Rocha e a Daniela Ruah que foi para os Estados Unidos… Tinhas muito poucas pessoas que faziam este movimento.
Hoje em dia, já é muito mais facilitado por causa do streaming, na época não havia... E isso é fantástico. Vejo cada vez mais portugueses e Portugal a ser falado pelo mundo inteiro.
No caso do streaming, foi uma boa evolução nesse sentido de criar mais oportunidades tanto no país como lá fora - ou seja, foi importante para esse passo de internacionalizar a carreira de um ator?
É muito mais fácil. Fazes uma produção na Netflix, Star+, HBO ou na Disney, ou o que seja, e é vista em não sei quantos países no mundo inteiro. E daí a alguém te chamar para fazer uma outra produção num outro sítio depois já é muito mais fácil. Veio facilitar muito, veio abrir muito o mercado, abrir muitas portas. Isso é inquestionável.
Estão agora a surgir no Brasil as novelas verticais, que são episódios de dois minutos para o TikTok ou para o Instagram. Mas novelas de 70 capítulos em que é muito rápido
Além de vir dar mais trabalho, também é mais fácil haver espaço para todos os tipos de público?
Sim, e cada vez que começa a haver mais. Agora no Brasil, por exemplo, está a surgir muito a novela vertical. Já se percebeu que as camadas mais jovens estão-se a afastar cada vez mais da televisão. Perguntas a um miúdo de 15 anos quem foi Eunice Muñoz ou quem é Rui Carvalho e eles não sabem. Ou mesmo no Brasil, perguntas quem é Fernanda Montenegro ou Tony Ramos e não sabem.
A meu ver é grave. Todas estas pessoas contribuíram para construir a cultura televisiva, teatral, cinematográfica portuguesa ou brasileira, fazem parte da nossa cultura, é por causa deles que atores como eu estamos aqui e conseguimos fazer o nosso trabalho.
O que se está a perceber agora com os streamings, e tudo mais, é que as camadas mais jovens já não têm paciência para estar sentadas no sofá a ver televisão, isso não existe. Eles veem streaming quando querem ver e está-se a tentar chamar outra vez estas camadas mais jovens, estes targets, para ver televisão, ver dramaturgia portuguesa ou brasileira.
Por isso é estão agora a surgir no Brasil as novelas verticais, que são episódios de dois minutos para o TikTok ou para o Instagram. Mas novelas de 70 capítulos em que é muito rápido, e o jovem consegue estar ali em dois minutos, porque não vê mais do que isso.
Se analisares um reels do Instagram, o engajamento num vídeo de dois minutos é muito menor do que um vídeo de um minuto… Acho que ainda se está a descobrir muita coisa, e muita coisa ainda vai ser descoberta.
Tenho muitas saudades de trabalhar em Portugal, de rever os meus colegas de trabalho…
Está a haver uma adaptação…
Uma adaptação e a trazer cada vez mais estas pessoas que já não viam televisão. A maior concorrência da televisão e do streaming é o YouTube. O que se está a tentar fazer agora é criar estratégias de igualar esta comunicação. No entanto, acho que a novela vai existir sempre porque é um formato inesgotável, que ainda muita gente vê e é absolutamente necessário. É como se fosse a mãe de todas estas séries, das micro-novelas, das novelas verticais…
A ideia é continuar no Brasil e não haver um regresso definitivo a Portugal?
Não, nunca digo isso. As pessoas acham isso, mas não. Adoro o meu país, trabalhar em Portugal, e vai depender sempre da proposta. Imagina que me surge uma proposta para fazer uma novela, uma série, um filme, uma peça de teatro que acho interessante, tanto o personagem como o projeto, que a nível artístico faça sentido, obviamente que virei. Tenho muitas saudades de trabalhar em Portugal, de rever os meus colegas de trabalho…
Cresci a fazer televisão, foram muitas novelas, teatro, filmes, muita coisa. Nestes últimos 10 anos têm aparecido mais coisas e têm feito mais sentido no Brasil, mas estou sempre aberto a que surjam propostas e a analisá-las, obviamente. Eu e a equipa que trabalha comigo.
Mas sente que agora tem duas casas, Brasil e Portugal?
Sim. É um financiamento caro porque é tudo a dobrar [risos]. São as viagens, as duas contas de água, duas contas de luz... Agora estou em Portugal, porque acabei de filmar e sempre que termino lá um projeto venho visitar a família, amigos…
Também para desanuviar um bocadinho.
Sim. E tenho outras empresas aqui, portanto, estar um pouco mais perto… Depois, quando surge trabalho no Brasil, volto para o Brasil, se surgir trabalho aqui, fico por aqui. Ando sempre entre cá e lá.
Não sou produtor, nunca tive essa ambição, sou um ator criativo que gosta de viabilizar projetos. É a única empresa que tenho que ainda não me dá dinheiro
Por falar em ter outros projetos/empresas… Um dos outros trabalhos é ser dono do boutique hotel Embaixador Apartments & Suites, que foi completamente criado por si. Isto acaba por nascer, talvez, do bichinho que possa ter ficado do curso de arquitetura?
Adoro design, arquitetura, viajo só para ver exposições, para ver arte. Onde gasto dinheiro é numa boa serigrafia, um bom quadro, uma boa peça de design. Gosto muito, sempre gostei. E este Boutique Hotel foi exatamente isto. Comprei o prédio, "mandei abaixo", fiz todo o projeto de arquitetura em colaboração com outro arquiteto colega, fiz vários apartamentos já com esse intuito de fazer este Embaixador Apartments & Suites, que fica em Belém.
Entretanto, já ampliei muito o negócio, abri outros apartamentos que são ramificações. Tenho outros pelo Chiado, Cais de Sodré, que têm todos o mesmo modelo de negócio. Mas tenho equipas a trabalhar [comigo].
Já não faz a gestão destes projetos?
Sou muito maluco e ainda gosto de fazer de alguns. Gosto deste contacto com as pessoas, de resolver problemas. Há dias fiquei até para lá da meia-noite a resolver coisas. Sempre que tenho tempo dedico-me a isso, porque gosto que as coisas estejam do meu jeito, como eu quero. Mas claro que tenho uma equipa que me ajuda muito na gestão dos negócios.
Tem ainda uma produtora, a 3 Monkeys Filmes. Já realizou alguns projetos, mas neste momento o que tem em carteira?
A produtora tem cerca de três anos, ainda é muito bebé. Quem tem uma produtora sabe que para os projetos acontecerem demora muito. Tenho alguns projetos em andamento, sim, uns que já estão quase a acontecer, outros que estão a meio, outros que estão no início.
Tive dois projetos que foram agora aprovados pela lei do audiovisual brasileiro, que é a ANCINE, para captação de recursos, que é tipo o nosso ICA. Um foi um filme que foi uma ideia minha - depois contratei dois autores para escreverem. O outro é uma história real que aconteceu no Brasil, uma história de época. Depois tenho outros géneros.
Neste momento associo-me sempre a produtoras médias ou grandes para fazer coprodução porque, muito ingenuamente, achava que como já estava a chegar aos 40 anos, criava uma produtora para fazer projetos mais autorais. Achava que era só esta parte criativa. Como sou um criativo e gosto de escrever, achava que era só isto, mas não, depois comecei a perceber que é tudo mais sobre financiamento.
As coisas estão a acontecer, já levei alguns tombos pelo caminho, tive um projeto muito especial que me foi roubado… São coisas que vão acontecendo e que também te calejam. Não sou produtor, nunca tive essa ambição, sou um ator criativo que gosta de viabilizar projetos. De repente, as coisas começaram a acontecer, comecei a conectar-me com várias pessoas, a ir a eventos de grandes produtores no Brasil… Os projetos começaram a avançar e espero que em breve comecem a ser realizados - e vão começar, alguns já estão bem perto.
É a única empresa que tenho que ainda não me dá dinheiro [risos]. Mas gosto muito desta parte do processo criativo. É um caos muito bom porque dá-me prazer conectar-me com algumas pessoas que não conhecia, que admirava e comecei a ter esta relação de perguntar se queriam escrever tal projeto. Acaba por ser muito interessante.
Mais do que provar aos outros, provar a mim mesmo. Essa competitividade, de ir-me testando a ver onde chego
Nasceu na Guarda, cresceu no Fundão e teve de lutar para seguir o mundo das artes. Entrou para o curso de atores sem os pais saberem e hoje em dia, além de estar a trabalhar no Brasil, da carreira de ator, tem os outros projetos/empresas… Sente que este lado de ter de lutar para conseguir seguir a área das artes, porque não foi logo apoiado pelos pais, fez com que se focasse mais e o levasse a batalhar e a provar a si próprio que consegue fazer as coisas?
É muito interessante fazer essa pergunta porque isso tem sido alvo de muita terapia [risos]. É isso mesmo. Sempre fui muito workaholic [viciado em trabalho] e sou muito competitivo comigo mesmo. Às vezes isso é muito bom, às vezes é mau também, porque coloco uma pressão muito grande em cima de mim. Mas também foi não acreditarem que eu seria capaz que me fez provar que era capaz, a mim mesmo.
Mais do que provar aos outros, provar a mim mesmo. Essa competitividade comigo, de ir-me testando a ver onde chego. Nunca sonhei ter uma produtora. Nunca sonhei ter um negócio de apartamentos. As coisas foram acontecendo de uma forma tão orgânica, tão natural, que hoje em dia, de facto, gosto de ter estas frentes, começo a pensar noutras frentes, de ter outros negócios, de ter outras coisas.
Claro que é muito bom quando tens logo o apoio da tua família, dos teus pais, mas no meu caso foi diferente e levou-me até aqui. Espero que me leve ainda mais longe. Foi o meu percurso, cada um tem o seu… Às vezes penso um bocadinho nisso, como é que seria se tivesse sido diferente, mas nunca vou saber.
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