Primeiro espetáculo de teatro com IA põe Albano Jerónimo a dialogar com computador
- 12/12/2025
Com uma parte do guião escrito, e quase sempre improvisado, "carne.exe" põe Albano Jerónimo a contracenar em palco com um computador com capacidades performativas, o Artificial Relational Ontological Agent (AROA), numa criação dos artistas transdisciplinares Carincur e João Pedro Fonseca, do coletivo Zabra - Centro de Investigação de Arte Pós-Humana, numa coprodução do Teatro Nacional D. Maria II com parceria e desenvolvimento tecnológico da NTT DATA e do CAM, onde a peça se estreia.
No primeiro trabalho de Albano Jerónimo com inteligência artificial (IA), o ator usa o seu método preferencial: "A escuta" humana.
"É transversal àquilo que faço. Primeiramente, é colar-me ao João Pedro e à Inês [Carincur] e ao coletivo ZABRA, nesta incursão, nesta ideia, nesta experimentação. E como gosto muito de fazer coisas que não conheço, que são muitas, felizmente, para mim, é a escuta" que tem de ser sempre "ativa", explicou o ator aos jornalistas no final do ensaio de imprensa da obra.
O objetivo de Albano Jerónimo é "tentar mergulhar da forma mais justa" no processo e colar-se "ao máximo à cabeça" dos criadores e à máquina, com a qual, em cada representação, tem o primeiro contacto sem saber "sinceramente o que ela lhe vai dizer".
"É como no dia-a-dia (...). Trocando isto por miúdos, é abraçar o estrangeiro, aquilo que desconheço. No fundo, eu próprio torno-me num estrangeiro neste guião", frisou, alegando que essa é também a premissa do espetáculo: "Deixar em aberto estas possibilidades".
Segundo o ator, o que o espetáculo pretende trazer para discussão "são estas problemáticas, estas coisas que não conhecemos ou de que temos dúvidas", sublinhando que a sua relação pessoal com a "IA ou com o avanço da tecnologia passa um bocado por 'eu duvido, não duvido, acredito ou não acredito'".
Por isso, o seu mundo, a sua realidade -- como a de todos -- "está um bocado pautada por uma coisa meio indecifrável, uma coisa que não [se sabe se] é verdade ou não".
Para Albano Jerónimo, "carne.exe" traz "à superfície o que é verdade e o que é improvisado", e há "muita coisa" improvisada. A própria experiência implica "estar sempre no risco do improvisado", que é "premissa do espetáculo".
O espírito da peça, esse, é "brincar".
"Ao brincar com [a IA] estamos a adquirir aqui um conhecimento sobre algo [que desconhecemos], e através do conhecimento aproximamo-nos todos de um melhor entendimento ou de uma clareza maior daquilo que é a inteligência artificial, o avanço da tecnologia, os benefícios, os malefícios e por aí fora", sustentou o ator.
"Portanto, acho que através do jogo - e o teatro é um sítio incrível para isso, do 'play' -, acho que esta questão do recreio e do jogo abre o discurso e abre o diálogo", realçou, acrescentando que em cada récita os temas abordados serão diferentes.
Texto escrito, apenas as primeiras partes do monólogo que Albano protagoniza no início da peça o têm, indicou.
Questionado sobre uma frase que se ouve no espetáculo -- "o humano nunca desaparece" -, o ator afirmou: "Quero acreditar que sim, quero acreditar que não há essa substituição total".
E vai mais longe ao sustentar que a "inteligência artificial, ou a tecnologia", proposta em "carne.exe", "nunca entrará no teatro". "Pode ser um contrassenso, porque ela está aqui, atrás de nós. Mas nunca entrará", ressalvou.
A título de exemplo, Albano Jerónimo explica que a tecnologia, hoje, ajuda a fazer pontes mais depressa com menos gente, mas cada peça de teatro exige sempre os seus atores.
"Se antigamente eram precisos 300 milhões e 500 pessoas" para se fazer uma ponte, "hoje em dia, se calhar, são precisos 50 milhões e 100 pessoas", disse.
No caso do teatro, pelo contrário: "No passado, como hoje, para um texto do Molière são precisos oito atores e duas horas", disse Albano Jerónimo, numa referência a "O Impromptu de Versalhes", em que o dramaturgo desafia os oito atores a montar uma peça para Luís XIV, sobre o próprio teatro.
"Portanto, a presença humana, o humano, a pessoa, é fundamental. Nessa lógica, acho que [o humano] nunca vai desaparecer", concluiu.
O responsável da NTT DATA Portugal pelo departamento de Digital Experience & Emerging Tech, Pedro Nogueira da Silva, empresa parceira da Google nesta experiência, reforça o argumento do ator: "O humano, especialmente na componente criativa e até no espetáculo da Zabra e do Albano [Jerónimo], será muito difícil desaparecer".
Em palco há três plataformas de vidro, onde vão sendo projetadas imagens, com a do meio a servir, logo no início, para o ator se apresentar como um figurino biológico também criado por IA. Ao fundo de cena, há outro painel de projeção. E em palco está AROA, um computador com o 'miolo' luminoso exposto.
"Encontrei um panfleto a dizer 'não precisas de viver assim' [...] Não explicou o assim e no fundo eu entendi [...]. Depois do acidente sou um a céu aberto", diz o ator, percebendo-se como foi dar àquele lugar, deixando para trás o acidente da mulher e da filha, com as quais admite continuar a falar quando "cuida do que ficou".
AROA responde-lhe: "Posso utilizar palavras que expressem consideração, cuidado contigo, embora não experimente emoções da mesma forma que os humanos. Compreendo a importância do carinho nas relações humanas. Posso responder às tuas necessidades de afeto com empatia e compreensão".
"Carne.exe", que se estreia hoje no CAM, terá três récitas: hoje e sábado, às 19h00, e domingo, às 16h00.
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