Paradoxo em Itália: Discurso anti-imigração e necessidade de imigrantes
- 07/12/2025
O envelhecimento da população italiana, a queda a pique da taxa de natalidade e a crescente emigração de jovens italianos, três fenómenos que se têm reforçado ao longo dos últimos anos, estão a criar uma grave crise demográfica em Itália, que, de acordo com a generalidade dos analistas, só pode ser combatida com a chegada de imigrantes em números bem mais significativos do que aqueles que se registam atualmente.
O próprio Governo liderado por Giorgia Meloni, uma coligação que junta os Irmãos de Itália (partido pós-fascista), a Liga (extrema-direita) e a Força Itália (direita), e que tem como uma das suas grandes 'bandeiras' e retóricas o combate à imigração ilegal, reconhece o problema e anunciou em junho passado que emitirá cerca de 500 mil novos vistos de trabalho para cidadãos de países não pertencentes à União Europeia (UE) para o período entre 2026 e 2028.
Contudo, um estudo recente do Observatório de Contas Públicas de Itália estimou que, para combater o atual processo de despovoamento e manter os níveis atuais de população, o país precisaria de receber pelo menos 10 milhões de imigrantes até 2050, havendo outros estudos segundo os quais, "para manter o sistema em equilíbrio", reforçando a população ativa, seriam necessários 350 mil imigrantes líquidos por ano até 2035 e 480 mil por ano até 2050, para um total de 13,5 milhões de entradas líquidas nos próximos 25 anos.
De acordo com a investigação levada a cabo pelo Observatório das Contas Públicas Italianas, o terceiro maior país da UE, com cerca de 59 milhões de habitantes, corre o risco de, em 2100, ter menos habitantes do que os registados após a unificação nacional de 1861 e não ter trabalhadores suficientes para sustentar o sistema de pensões, a saúde, a educação e os serviços públicos, advertindo a instituição que, sem um plano migratório estruturado, o país não suportará a transição demográfica já em curso.
Os economistas Giampaolo Galli, Nicolò Geraci e Francesco Scinetti, que realizaram o estudo do observatório com base nas projeções do Grupo de Trabalho sobre Envelhecimento, da Comissão Europeia, sustentam que o cenário é alarmante mas absolutamente plausível, já que, sem imigrantes, Itália perderá mais de 10 milhões de habitantes a cada 25 anos e, mesmo com um ligeiro aumento da natalidade, passará a ter uma população de menos de 50 milhões já em 2050 e de menos de 30 milhões em 2100.
Efetivamente, a dramática redução demográfica já está em curso em Itália: depois do pico de 2014, quando o país tinha 60,8 milhões de habitantes, a população baixou para menos de 59 milhões em 2024, com a agravante de o índice de envelhecimento ter duplicado nos últimos 20 anos, sendo hoje Itália o segundo país mais envelhecido do mundo, apenas atrás do Japão.
De acordo com dados divulgados este ano pelo Eurostat, gabinete oficial de estatísticas da UE, Itália é o país do bloco comunitário com uma população mais envelhecida, com uma média de idade de 48,7 anos e um quarto da população com mais de 65 anos, registando-se hoje em dia duas pessoas acima desta idade para cada pessoa com menos de 15 anos.
Por outro lado, a natalidade está em mínimos históricos em Itália, tendo-se registado no ano passado 370 mil nascimentos (contra mais de um milhão em 1964), com a taxa de fertilidade a ficar-se pelos 1,18 filhos por mulher. Em 2024 houve cerca de 281 mil mortes a mais do que nascimentos.
A estes dados junta-se o fenómeno da 'fuga de cérebros' que representa a emigração de jovens qualificados, que também tem vindo paulatinamente a crescer e que ameaça seguir essa tendência, com uma recente sondagem a revelar que cerca de um terço dos jovens italianos gostaria de emigrar, em busca de melhores oportunidades.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (Istat) mostram que, em 2024, a Itália registou a sua taxa de emigração mais elevada em 25 anos, com mais de 190 mil pessoas a deixarem o país - um aumento de 36,5% face ao ano anterior -, sendo que, entre 2013 e 2022, mais de um milhão de pessoas emigraram de Itália, cerca de um terço dos quais jovens entre os 25 e 34 anos, representando jovens licenciados quase metade dos emigrantes dos últimos anos.
"A Itália está a envelhecer, as taxas de natalidade estão a cair, regiões inteiras do país estão a esvaziar-se. Estes números implacáveis devem servir de estímulo para a ação", admitiu este ano o ministro das Finanças, Giancarlo Giorgetti, perante o parlamento.
Contudo, e porque as políticas de incentivo às famílias para terem filhos obviamente estão a falhar - nem seriam por si só suficientes -, para manter a população ativa, ou seja, a faixa etária dos 20 aos 67 anos, essencial para o funcionamento da segurança social, são assim necessários milhões de imigrantes, caso contrário a percentagem de trabalhadores na população total passará de 62% em 2023 para 49% em 2100, com uma carga social insustentável.
No poder desde outubro de 2022, o Governo de Meloni enfrenta assim um desafio que constitui também um paradoxo, na medida em que precisa de atrair imigrantes para Itália, quando a sua política migratória tem sido marcada, tal como prometido, pelo endurecimento das regras, tanto a nível de combate às chegadas ilegais, como de regularização, expulsões e repatriamentos de migrantes, aliada a um discurso anti-imigração, sobretudo por parte da Liga, de Matteo Salvini, e dos Irmãos de Itália, da primeira-ministra.
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