O chef português que brilhará no programa de cozinha de Harry Potter
- 12/12/2025
A 22 de dezembro, estreia-se no TLC a segunda temporada de “Harry Potter: Wizards of Baking”, apesar de também estar disponível na HBO Max. Trata-se de um programa de pastelaria e culinária que junta o mundo da cozinha ao universo criado por J.K Rowling. Esta temporada conta com um português entre os participantes, o chef Rui Mota, de 31 anos, natural de Tomar. A história poderia muito bem ser outra, não fosse a insistência da produção depois de um e-mail não respondido que foi parar ao spam do chef.
“Em janeiro recebi um e-mail da Food Network. Nem identificava o programa em si e dizia apenas para preencher um formulário. Aquilo parecia-me spam, então ignorei simplesmente”, começa por explicar ao Lifestyle ao Minuto o chef Rui Mota. Pouco tempo depois, uma nova mensagem sobre o mesmo desafio, agora para a sua conta de Instagram.
O casting que esteve para não acontecer
Desta vez, foi mesmo um membro do casting que abordou o chef e explicou que se tratava de um formulário para inscrição no programa “Harry Potter: Wizards of Baking”. Apesar de ser fã de todo o universo, de ter lido os livros e visto os filmes, não sabia do que se tratava tal competição.
“Não tenho televisão em casa, não conhecia a primeira temporada, não tinha visto. Vejo algumas séries no computador nas plataformas streaming, mas é muito raro. Confesso que não tenho muito tempo com a vida atarefada e viciado em trabalho que sou.”
Contudo, preencheu o formulário e passou à fase seguinte do casting. Ainda hoje não sabe bem como é que a produção do programa chegou até ao seu perfil de Instagram para mandarem nova mensagem, mas tem um palpite.
“Os meus trabalhos são sempre em inglês. Acredito que pode ter sido por aí, que tenham procurado alguma coisa como cozinha molecular, comida flutuante ou comida fluorescente. Podem ter-me encontrado assim e ainda bem que fizeram forcing”, continua Rui Mota.
Um breve scroll na página de Instagram do chef já dá para entender o que possa ter chamado a atenção. A cozinha molecular e mais de espetáculo está bem presente em todas as suas criações.
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O casting de 10 horas em Los Angeles
O casting para a segunda temporada de “Harry Potter: Wizards of Baking” contou com mais de 650 mil participações. Seguiu-se uma fase online, com o diretor de casting, e mais uma presencial, em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde só seguiram 45 concorrentes. Rui Mota estava entre eles.
“Foram 10 horas de casting com quatro provas em que só duas sabíamos o que ia acontecer. Numa delas levei doces pequeninos de Lisboa, que confecionei, levei e eles provaram, todos inspirados no Harry Potter, claro.”
O chef teve ainda de preparar um bolo de 80 centímetros em três horas. “Fiz acontecer e até preparei um bolo que flutua no sistema de meditação magnética e luz UV. E no final foram feitas duplas para cozinhar mais uma sobremesa. A última prova consistiu no teste de cultura geral à volta do mundo de Harry Potter.
Rui Mota foi o único português a participar no programa© Warner Bros
Na parte da gastronomia, Rui Mota estava bem preparado, já que contava com experiências em importantes restaurantes mundiais, como El Celler de Can Roca, The Fat Duck, ABaC, L’Air du Tempse Vista, e também pelo facto de dar aulas na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e Faculdade de Ciências de Alimentação na Universidade do Porto. Já para não falarmos dos prémios que já venceu, como Prémio de Gastronomia na Mostra Nacional de Jovens Criadores e o Prémio de Mérito para Melhor Aluno de Mestrado da Universidade de Lisboa.
A cozinha estava garantida e o domínio do universo de Harry Potter não ficou atrás. “Cresci mesmo com os filmes. Tinha mais ou menos a mesma idade dos atores principais, então acabei por crescer com eles. Vivia muito essa fantasia, essa magia, esse apoio. Ia buscar também muito apoio emocional lá, para a minha adolescência e para a minha fase de criança, por causa do universo mágico.”
Acabou por ser um dos 16 selecionados, o único europeu, a participar em “Harry Potter: Wizards of Baking”, cujas gravações aconteceram este verão em Londres, nos estúdios que já receberam produções da saga. Rui Mota não queria acreditar quando recebeu o e-mail a dizer que ia fazer parte do concurso de cozinha. Este já não ignorou nem foi parar ao spam.
A preparação para as gravações de “Harry Potter: Wizards of Baking”
A partir daí, seguiu-se um conjunto de preparações que achou serem necessárias para estar à altura do desafio. Começou por ver a primeira temporada do programa e também juntou algumas formações para conseguir preparar criações ainda mais espetaculares.
“Percebi que queriam esculturas de açúcar, esculturas de chocolate e até cake design e são três áreas em que não me sentia confortável a 100%. Então, fiz formações complementares antes da gravação do programa começar: com a Sofia Fox, uma masterclass de três dias de cake design; e depois fui a Londres fazer uma formação com o quarto melhor pasteleiro e chocolateiro do mundo que me ensinou a fazer esculturas de chocolate e açúcar para estar mais bem preparado para este tipo de competição.”
Neste ponto, ficou a perceber o que a produção do programa tinha visto no seu trabalho e queria trazer para a competição, mas não se agarrou apenas ao que já sabia. “O que eles queriam de mim, inicialmente, era a questão da cozinha. Era a química dentro da cozinha, era o show, era o espetáculo, era brincar com os sentidos. Isso já estava garantido, já tinham isso garantido de mim, mas eu queria mostrar mais complemento a isso.”
Como começou a paixão pela cozinha (ou pela química)
Rui Mota não é adepto do caminho mais fácil para chegar aos seus objetivos. Da mesma forma, o gosto pela cozinha não surgiu de imediato e também não tinha nenhum familiar ligado à área, só via mesmo a avó a cozinhar, mas nada profissional.
“No oitavo ano e no nono, química sempre foi sas minhas disciplinas favoritas. Voltou em força na licenciatura, com bioquímicas, químicas orgânicas, eu fui chegando a esse mundo da gastronomia. Fascinei-me por este mundo para saber o que estamos a comer, como é que os ingredientes são feitos, como são constituídos, como é podem ser manipulados, como é que reagem uns com os outros.”
As gravações do programa em Londres
O programa “Harry Potter: Wizards of Baking” é apresentado pelos irmãos James e Oliver Phelps, também conhecidos pelos os gémeos Weasley, e conta ainda com um júri composto pela chef Carla Hall e pelo chef Jozef Youssef. As gravações duraram 21 dias e eram sempre muitas horas filmadas para cada um dos episódios de 40 minutos. Os 16 elementos foram divididos em duplas e em cada episódio saem sempre dois concorrentes.
Infelizmente, Rui Mota não conseguiu ficar até ao fim, mas deixou a sua marca, impressionou os jurados e claro que teve alguns momentos de maior tensão. “Posso dizer que o terceiro episódio foi um episódio onde nós tínhamos que fazer um artefacto de um filme, 100% pelas mãos com o uso escultural de mãos sem utilizar qualquer tipo de moldes.”
Tudo se complica com vários olhos postos em cima. “Uma coisa é fazermos nas nossas cozinhas e temos, dez horas, dois dias, o que seja. Outra coisa é fazer em seis horas, com 30 câmaras apontadas para ti, com o produtor a falar contigo constantemente, com os irmãos Weasley a perguntar se está tudo a correr bem e depois temos de dizer que sim porque senão o drama no programa aumenta e uma pessoa fica mais nervosa.”
Por outro lado, existe a perfeição que se quer alcançar. “O primeiro episódio também foi desafiante. Houve um bolo que tive de fazer quatro vezes porque não estava a sair bem, ou porque me distraía na conversa com o produtor, ou porque os Weasley vinham na altura das pesagens. Tive de fazer a receita quatro vezes, não porque estava queimado, mas não ficava como queria. Se não estava 100% confiante, preferia não o entregar.”
Se a pastelaria já tem muito que se lhe diga, então este tipo de pastelaria que está em foco no programa, com muito mais elementos visuais, ainda mais. “Digo sempre aos meus alunos que o equipamento mais importante que precisam é de uma balança de precisão que pesa às miligramas. Às vezes temos de utilizar certos aditivos alimentares em que uma miligrama faz toda a diferença na receita. Na cozinha molecular é mesmo necessária uma extra decisão.”
Rui Mota com a sua dupla no programa© Warner Bros
Para as gravações, levou e chegou a usar alguns ingredientes portugueses, como o azeite e as abóboras que trouxe da plantação do pai. “Deram liberdade para utilizarmos os produtos que nós quiséssemos, desde que a malta da J.K Rowling e da Warner Bros aprovasse os sabores associados ao filme e ao tema em questão. Não podia dizer que o Hagrid gostava de abóboras sem que isso estivesse escrito nos livros. Então, fiz essa análise prévia dos livros e dos filmes para selecionar certos ingredientes portugueses que quis levar, ainda sem saber se podiam ser aprovados ou não.”
O futuro do chef depois da participação em “Harry Potter: Wizards of Baking”
Pode não ter vencido a competição culinária, mas acabou por trazer muitas mais coisas para a sua vida. Em primeiro lugar, um grupo de amigos que estão sempre em contacto via WhatsApp. “Falamos todos os dias. Temos um grupo no WhatsApp chamado Family Wizard Cast. Falamos todos os dias, trocamos impressões, conselhos, receitas e mantemos o contacto. Ainda a semana passada fiz uma videochamada com a Angel [a dupla de Rui Mota no programa].”
Com esta participação acredita também que se possam abrir portas no seu futuro profissional. “O meu objetivo é mesmo tornar Rui Mota como uma marca e dar um cunho português à gastronomia moderna”, continua o chef. Quer manter-se como professor e inscreveu-se agora no doutoramento em tecnologia e ciência alimentar. Ter um restaurante próprio não é algo que sonhe para já, prefere trabalhar na área de uma outra forma.
“Não tenciono abrir um restaurante para já, quem sabe no futuro. Acho que me ia sentir uma águia fechada numa gaiola se o fizesse agora. Quero continuar a crescer, a aprender e a evoluir.”
Grande parte do trabalho que Rui Mota gostava de construir está ligado às proteínas do futuro, e não só. “Quero colaborar com centros de investigação do mundo inteiro e descobrir a pólvora. Estamos a falar de proteínas do futuro, estamos a falar de carnes de laboratório, salmão de laboratório. Quero trabalhar também com a questão da sustentabilidade, no sentido da exploração sensorial e psicológica.”
Rui Mota sente que é algo que nunca iria conseguir fazer estando ligado a um restaurante, ainda para mais na lógica portuguesa do que o trabalho de chef implica. “Na ótica portuguesa, os chefs não fazem isso, fazem 50 mil funções extra. E talvez seja por isso que ainda não chegámos à terceira estrela [Michelin]. Porque, na verdade, o líder devia estar a liderar e não, está a descascar batatas ou está a pesar farinha.”
Rui Mota tem em Rasmus Munk, do Alchemist, em Copenhaga, na Dinamarca, o grande ídolo e um exemplo que gostaria de seguir. “No ano passado fui ao Alchemist celebrar os meus 30 anos e apaixonei-me por aquele restaurante. Fartei-me de chorar, fiquei super feliz e foi a melhor prenda de aniversário que tive. Se for um restaurante desse conceito, é o sonho. Vejo o Rasmus como um ídolo. Vejo-o a fazer um trabalho incrível, com dedicação. O que ele tem feito é brutal.”
O chef acredita que neste momento não iria conseguir algo deste género em Portugal. “Se fizer um conceito minimamente inspirado nesse, que seja tipo 20%, em que depois tens uns investidores que estão com corda ao pescoço constantemente contigo, ia ser uma coisa muito triste para mim. Por isso, prefiro não fazer até talvez ter o meu investimento para conseguir sem os investidores, ou ter investidores que estão no mesmo alinhamento criativo e que vejam a mesma coisa que eu vejo.”
Apesar de não se adivinhar em breve um restaurante com a ‘magia’ de Rui Mota e de conseguir ver algumas das sugestões que cria na sua página de Instagram, são várias as hipóteses que tem de provar a arte do chef.
“Faço serviços de private chef, faço palestras, congressos, participações em eventos, pop ups em restaurantes, eventos de catering adaptados aos conceitos super personalizados, e casamentos também. Já tive noivos que me pediram casamentos de cozinha molecular, queriam comida assim mágica no menu. Isso faço e é coisa que me dá extremo gosto.”
Percorra a galeria para conhecer melhor o programa “Harry Potter: Wizards of Baking”.














