"Mzia está detida. Só escrever uma notícia pode levar a uma investigação"

  • 30/12/2025

Mzia Amaglobeli é a primeira prisioneira política da Geórgia desde a independência e separação do país da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991. A jornalista e diretora dos meios de comunicação social Batumelebi e Netgazeti foi detida em janeiro de 2025, depois de ter marcado presença em manifestações antigovernamentais e de ter sido acusada de esbofetear o chefe da polícia de Batúmi, Irakli Dgebuadze, que lhe proferiu ameaças e insultos de cariz sexual.

 

Condenada a dois anos de prisão, Mzia Amaglobeli denunciou ter sido alvo de agressões e privada não só do acesso a cuidados médicos, mas também a um advogado e à casa de banho. A jornalista ficou, inclusive, cega de um olho e retém apenas 10% de visão no outro. Contudo, desconhecem-se as causas, uma vez que foi submetida a exames médicos demasiado tarde. Quem o garantiu foi a jornalista Irma Dimitradze, representante da colega que, com o jornalista Andrzej Poczobut, que se encontra detido na Bielorrússia, foi laureada com o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2025.

À margem da cerimónia de entrega do galardão, que decorreu a 16 de dezembro, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, Irma Dimitradze confidenciou ao Notícias ao Minuto que "apenas escrever uma notícia pode levar a algum tipo de investigação" por parte do regime, o que significa que "o jornalismo independente está, essencialmente, criminalizado" na Geórgia. A jornalista, que admitiu que poderá ser "detida na fronteira" ao regressar a casa, salientou, contudo, que o caso georgiano "faz parte da batalha global em curso entre o autoritarismo e a democracia", pelo que "não devemos deixar que a história se repita". Ainda assim, e tal como recordou à mulher que a criou como profissional, "nesta luta, permanecer viva é, por si só, uma resistência, e continuar a existir ainda é uma resistência".

A Europa tem de vencer connosco, com a Ucrânia, com a Bielorrússia, com todos os que estão envolvidos nesta batalha. No próprio país, é uma mensagem muito clara para os georgianos que a União Europeia, que tanto admiramos, está a ver-nos e a ouvir-nos, e isso fortalece o ânimo de todos, especialmente daqueles que estão ilegalmente detidos e que são prisioneiros políticos. Agora, temos mais de uma centena deles

Que impacto é que o Prémio Sakharov tem não só no caso de Mzia, mas também na pressão e na sensibilização para este tipo de situações?

Creio que este prémio é um reconhecimento da luta e de todas as dificuldades que Mzia e todos os georgianos estão a atravessar neste momento, na luta pela democracia e na luta para colocar a Geórgia de volta no caminho da integração euro-atlântica. Por isso, estamos profundamente gratos, assim como estamos gratos pelas resoluções que o Parlamento Europeu adotou em apoio aos que lutam pela liberdade na Geórgia e por toda a atenção que nos estão a dar. Esta é também uma oportunidade para fazermos ouvir a nossa voz, porque o que está a acontecer na Geórgia neste momento faz parte de um quadro mais alargado, faz parte da batalha global em curso entre o autoritarismo e a democracia, entre este regime autoritário e a ordem baseada no Estado de Direito. É óbvio que estamos a entrar numa nova era e numa nova ordem mundial, mas depende de nós a forma como esta será moldada e quanto das liberdades, dos direitos humanos e da democracia poderemos manter.

Nessa linha, estamos aqui para partilhar a nossa experiência e para fazer ouvir a nossa voz, os nossos alertas precoces e para dizer que estamos a lutar, mas que não podemos vencer sozinhos. A Europa tem de vencer connosco, com a Ucrânia, com a Bielorrússia, com todos os que estão envolvidos nesta batalha. No próprio país, é uma mensagem muito clara para os georgianos que a União Europeia, que tanto admiramos, está a ver-nos e a ouvir-nos, e isso fortalece o ânimo de todos, especialmente daqueles que estão ilegalmente detidos e que são prisioneiros políticos. Agora, temos mais de uma centena deles. É também um sinal para aqueles que são vítimas da propaganda do atual regime, que afirma que ainda é pró-europeu e que quer continuar o processo de adesão à UE no final de 2028. Quando essas pessoas, essas vítimas dessa propaganda, veem que a União Europeia, o Parlamento Europeu, está a premiar Mzia e a reconhecer a sua luta, que foi presa por acusações de motivação política, isso levanta questões, porque mesmo os eleitores do Sonho Georgiano admiram a União Europeia e a Europa.

Notícias ao Minuto Irma Dimitradze em representação de Mzia Amaglobeli, laureada com o Prémio Sakharov 2025© Fred MARVAUX/European Union 2025  

Nunca voltaremos os nossos olhos ou a nossa vida para a Rússia, porque a Rússia ocupou a nossa terra; 20% do país está ocupado. Há tropas russas no nosso solo. Quase todas as famílias perderam alguém na guerra de 2008. Quase diariamente, as forças de ocupação sequestram e raptam pessoas na chamada linha de ocupação e, nos últimos anos, houve pessoas que foram mortas. Obviamente, as pessoas que votaram no partido no poder não o fizeram sabendo que este era pró-Rússia ou que se aproximava da Rússia, mas votaram porque este partido utilizou, mesmo durante o período pré-eleitoral, uma bandeira que continha parcialmente o seu logótipo e o símbolo da UE, e afirmava estar a levar a Geórgia por esse caminho. Mas quando veem que isto está a acontecer, que surgem sinais como o Prémio Sakharov e outros, isto expõe este partido, expõe que tudo o que afirmam não é verdade, e admitem que Mzia pode não ser uma espiã estrangeira. Para ser honesta, ninguém acredita nisso, nem mesmo os eleitores do partido no poder acreditam que ela tenha atacado alguém, porque ficou muito claro no vídeo que todos viram. Também é muito importante a este respeito.

No entanto, o impacto mais importante que o prémio poderia ter seria traduzir-se em eleições. Sabemos que houve laureados do Prémio Sakharov no passado que foram detidos e que nunca conseguiram sair vivos da prisão. Portanto, não garante a liberdade das pessoas que estão detidas. A questão é que devemos aprender com os nossos próprios erros. Não devemos deixar que a história se repita; estamos a criar esta história. A história não é um mecanismo que funciona por si só. Estamos a contribuir para ela e esperamos que, com este prémio e com esta plataforma, quando transmitirmos a nossa experiência, a nossa gratidão, mas também os nossos avisos e os nossos pedidos, isso seja ouvido e traduzido em eleições que nos ajudem a vencer, que levem a Europa à vitória e que mostrem a todos os autocratas que estavam errados quando pensaram que Vladimir Putin sairia vitorioso.

Mzia não é apenas uma georgiana, é uma amiga muito próxima. Conheço-a desde os meus 13 anos, quando estava na escola. Se a minha própria mãe me criou como cidadã e como pessoa, ela criou-me como jornalista e tem um lugar enorme na minha vida. Portanto, é um tipo de orgulho que é doloroso, mas também ajuda a continuar a lutar, e dá mais motivação e responsabilidade

O que é que pode dizer-nos sobre o estado de espírito de Mzia neste momento? Como é que ela se sente? Pode contactar a família? 

Pode contactar a família. Ela tem algumas visitas familiares e pode fazer chamadas quatro vezes por mês. Cada vez que liga, tem 15 minutos para falar. Também nos ligou; escreveu um discurso e vou lê-lo amanhã [dia 16 de dezembro, cerimónia de entrega do Prémio Sakharov]. Não será o meu discurso, mas o dela. Está muito animada, apesar de estar com a saúde muito debilitada. O que ela diz é que devemos continuar a lutar. Ela ligou duas vezes, creio, e pediu ao nosso editor-chefe e cofundador para me alertar para não falar sobre ela. Num tom de voz severo, como este com que estou a falar consigo, disse: “Não fales sobre mim. Fala sobre o país, sobre a situação dos meios de comunicação social na Geórgia. Fala sobre as medidas necessárias que devem ser tomadas para salvar a liberdade no nosso país e contribuir para salvar a liberdade no continente europeu.” Esta é a mensagem dela.

É claro que isto nos deixa muito orgulhosos, mas é um orgulho que dói, porque a Mzia não é apenas uma georgiana, é uma amiga muito próxima. Conheço-a desde os meus 13 anos, quando estava na escola. Se a minha própria mãe me criou como cidadã e como pessoa, ela criou-me como jornalista e tem um lugar enorme na minha vida. Portanto, é um tipo de orgulho que é doloroso, mas também ajuda a continuar a lutar, e dá mais motivação e responsabilidade. Mas, obviamente, há muitas dimensões nesta luta: ser cidadã de um país que está a perder a sua liberdade, ser jornalista que vê a profissão a ser atacada por todos os lados, em todos os países, infelizmente, ser tão próxima de uma pessoa que está detida e a perder a visão, sem poder ajudar. A solidariedade que vemos na Geórgia, entre os georgianos, especialmente entre os jornalistas georgianos, agora vejo à escala global. Tenho-me encontrado com jornalistas de diferentes países e eles compreendem-nos, defendem-nos, e isso ajuda-nos e fortalece-nos.

Há uma campanha de difamação, há ataques físicos contra jornalistas. Mzia está detida e esta situação cria legalmente um ambiente em que qualquer coisa que se faça, literalmente qualquer coisa, apenas escrever uma notícia, pode levar a algum tipo de investigação contra nós. O jornalismo, o jornalismo independente, está essencialmente criminalizado no país

Quero aprofundar este tema porque, no ano passado, houve uma repressão sem precedentes à imprensa na Geórgia. Como está o panorama atualmente? A imprensa tem hipótese de sobreviver?

Sem dúvida. Essa repressão foi como uma avalanche que desceu do topo da montanha e, no caminho, está a atingir-nos, tentando enterrar-nos. Foram adotadas tantas leis repressivas nos últimos anos que, para ser sincera, nem me lembro de todas. E há uma campanha de difamação, há ataques físicos contra jornalistas. Mzia está detida e esta situação cria legalmente um ambiente em que qualquer coisa que se faça, literalmente qualquer coisa, apenas escrever uma notícia, pode levar a algum tipo de investigação contra nós. O jornalismo, o jornalismo independente, está essencialmente criminalizado no país. Financeiramente, é extremamente difícil sobreviver.

Houve meses em que os jornalistas não conseguiram receber os seus salários e, para ser honesta, já não é uma profissão no país; é uma missão e todos os que continuam percebem que não é um trabalho lhes paga, é uma missão pela qual pagam com a sua vida e com tudo o que tem. Esta é a situação atual. Ninguém se exilou e não há planos para o fazer. Planeamos continuar no país enquanto pudermos, enquanto for fisicamente possível, porque esta é a única ferramenta que temos, é a única competência que temos como jornalistas. A lição a retirar da experiência georgiana é que destruir é muito mais fácil e rápido do que construir.

O jornalismo independente, em particular, ainda está no caminho da propaganda e dos poderes que estão a tentar remodelar e a falsificar as narrativas e a realidade, e impor o que acham ser mais lucrativo. Não importa se são oligarcas ou políticos, eles estão lá e é uma guerra aberta

Por mais seguros que nos sintamos, por mais alto que estejamos no topo da montanha, esta avalanche, se vier, pode muito rapidamente colocar-nos no fundo. Por isso, devemos resistir ao primeiro sinal e devemos estar sempre muito atentos e nunca tomar nada como garantido, mesmo o que temos agora. O facto de estar a falar consigo livremente... Não sei por quanto tempo conseguirei fazê-lo. Até brinquei que, se voltar ao país, talvez seja detida na fronteira, porque estão a investigar pessoas que deram entrevistas, inclusive quem deu uma entrevista à BBC, porque a BBC é uma entidade estrangeira e o governo considerou que estava a colaborar com uma organização estrangeira contra os interesses do Estado [uma investigação da BBC deu conta de que as forças policiais utilizaram substâncias tóxicas para dispersar os manifestantes].

A situação pode mudar muito rápida e drasticamente. E esta é uma tendência global, infelizmente, porque a liberdade de imprensa e o jornalismo independente, em particular, ainda está no caminho da propaganda e dos poderes que estão a tentar remodelar e a falsificar as narrativas e a realidade, e impor o que acham ser mais lucrativo. Não importa se são oligarcas ou políticos, eles estão lá e é uma guerra aberta contra o jornalismo independente. Creio que é uma guerra aberta contra a ordem baseada no Estado de Direito e nos direitos humanos e liberdades, e devemos estar muito vigilantes.

Notícias ao Minuto Irma Dimitradze com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e com a filha e representante de Andrzej Poczobut, Jana Poczobut© Philippe BUISSIN/European Union 2025  

Esteve por detrás da investigação que deu conta do uso indevido de dados pessoais nas eleições. Tendo em conta a última questão, sente que poderá ser alvo de algum tipo de ameaça?

Para ser honesta, não tenho tempo para pensar em ameaças pessoais. Alguém também me perguntou se temo pela minha própria segurança, [mas] é tão avassalador. Tenho de me preocupar com tanta coisa; com o jornalismo, com o estado de saúde de Mzia, com o próprio Estado. Não tenho tempo para pensar e preocupar-me com [a minha segurança] mas, como disse, estou à espera de tudo. Não sei quando voltarei, se conseguirei chegar a casa desde o aeroporto sem ser detida. No entanto, recuso-me a viver com medo. Quero dizer, é provavelmente a pior coisa que me poderia acontecer. Quando Mzia estava em greve de fome, a minha vida era viver com medo, porque a cada momento temia pela vida dela. Era terrível. Claro que não se compara ao medo de ser detida mas, mesmo assim, viver com medo é o pior e recuso-me a fazê-lo. O que tiver de acontecer, acontecerá, e resistirei de todas as formas que estiverem ao meu alcance. Às vezes – e escrevi isto à Mzia quando ela estava em greve de fome –, nesta luta, permanecer viva é, por si só, uma resistência, e continuar a existir ainda é uma resistência, e eu continuarei a fazê-lo.

Leia Também: Vencedores do Sakharov denunciam repressão na Geórgia e Bielorrússia

FONTE: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/2909984/mzia-esta-detida-so-escrever-uma-noticia-pode-levar-a-uma-investigacao#utm_source=rss-ultima-hora&utm_medium=rss&utm_campaign=rssfeed


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