Moçambique entre os mais afetados por recuo do financiamento chinês
- 16/12/2025
Segundo a investigadora Rebecca Ray, autora do estudo da Boston University Global Development Policy Center, divulgado na segunda-feira, os chamados "fluxos líquidos de dívida" da China para os países de baixo rendimento -- os novos empréstimos concedidos menos os reembolsos recebidos -- tornaram-se negativos nos últimos anos.
Isto significa que, atualmente, os países mais pobres estão a pagar à China mais do que recebem em novos financiamentos. A tendência reverte o padrão dominante nas últimas duas décadas, em que Pequim foi um dos principais financiadores de infraestruturas nos países em desenvolvimento.
A retração resulta da queda acentuada nos desembolsos desde 2018, ano em que o financiamento externo chinês atingiu o seu pico.
Como os reembolsos se prolongam por mais tempo do que os períodos de concessão de crédito, esta inversão era inevitável, aponta o estudo.
A situação assemelha-se à registada em 2005 entre os credores do Clube de Paris, que nesse ano apresentaram fluxos líquidos negativos de 9,4 mil milhões de dólares (oito mil milhões de euros) devido à instabilidade financeira global. No caso chinês, o saldo negativo ascendeu a 5,9 mil milhões de dólares (5 mil milhões de euros) em 2024.
Entre os países lusófonos abrangidos pela análise, Moçambique surge entre os mais afetados. O país africano registou transferências líquidas negativas da China e de todos os seus credores combinados, o que significa que, além de estar a pagar mais do que recebe de Pequim, não conseguiu compensar esse fluxo com financiamento de outras origens.
Entre janeiro e março, a China manteve-se como principal credora bilateral de Moçambique, apesar do perdão de juros e da recente doação de 12 milhões de euros anunciada por Pequim.
Moçambique pagou em três meses mais de 36 milhões de euros à China pelo serviço da dívida, que lidera entre os credores bilaterais do país, segundo dados do Ministério das Finanças.
De acordo com um relatório sobre a gestão da dívida, o serviço da dívida à China foi o que mais pesou nas contas moçambicanas em três meses, de janeiro a março, com 35,51 milhões de dólares (30,6 milhões de euros) em amortizações e 6,77 milhões de dólares (5,8 milhões de euros) em juros.
Segundo dados do relatório, a dívida de Moçambique à China ascendia por seu turno, no final de junho, a 1.347 milhões de dólares (1.158 milhões de euros), o maior credor bilateral e apenas ultrapassada, nos credores multilaterais, pelo IDA (Associação Internacional de Desenvolvimento), do Grupo Banco Mundial, com 2.980 milhões de dólares (2.566 milhões de euros).
Entretanto, o Governo chinês perdoou os juros dos empréstimos concedidos a Moçambique até 2024 e anunciou a doação de 12 milhões de euros ao país africano, disse em 14 de outubro a primeira-ministra moçambicana, Benvida Levi.
Segundo o relatório, este grupo mais vulnerável inclui ainda Myanmar, Samoa, Tonga, Tajiquistão e Djibuti, todos em situação de elevado risco de sobre-endividamento.
Na maioria dos outros países analisados -- todos elegíveis para financiamento concessionado da Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), do Banco Mundial -- os reembolsos à China foram compensados com novos financiamentos de outros parceiros, mantendo os fluxos líquidos totais em terreno positivo.
Apesar de sublinhar que a atual fase não é inédita nem incomum, Rebecca Ray considera que representa um desafio importante tanto para os países de baixo rendimento como para a China, que se vê obrigada a repensar a sustentabilidade e o impacto do seu modelo de financiamento externo.
O estudo propõe que Pequim refinancie os empréstimos em dificuldades, aproveitando o atual diferencial entre as taxas de juro chinesas e as norte-americanas, a conversão de créditos em risco em obrigações a longo prazo denominadas em renminbi (RMB), permitindo condições de pagamento mais sustentáveis ou o alargamento do comércio bilateral em RMB, facilitando o acesso à moeda necessária para pagamentos futuros.
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