Distúrbios alimentares no Natal. Maior peso no prato ou nas palavras?
- 23/12/2025
A mesa passou a ser o centro da celebração do Natal. E são, realmente, poucos os que se importam com esta premissa, pelo contrário. Aliás, é raro ver um convívio familiar sem comida.
Contudo, os que dispensam essa pompa e circunstância raramente se manifestam. Nalguns casos, tendem somente a evitá-la. Não só pelo convívio em si ou pela ostentação de alimentos, que até podem despertar alguns gatilhos, mas pela junção destes fatores aliados a alguns comentários.
Numa entrevista ao Lifestyle ao Minuto, Cátia Lopes, psicóloga das Clínicas Dr. Alberto Lopes, começa por explicar que o Natal pode ser "uma fonte de angústia" para muitos.
É importante reter que, apesar de ser uma batalha silenciosa, os distúrbios alimentares, como a anorexia, a bulimia ou a compulsão alimentar, "não tiram férias nesta época, pelo contrário, podem intensificar-se" e na Consoada também se sentam à mesa. "E se o maior peso neste Natal não estiver no prato, mas nas palavras?", questiona a Cátia Silva.
Para assegurar que a época é de união, afeto e celebração, tal como deve ser, a especialista deixa algumas orientações úteis para quem vive, ou convive, com este tipo de sofrimento.
Leia abaixo a entrevista.
De que forma é que esta época do ano pode fragilizar as pessoas que têm distúrbios alimentares?
O Natal junta vários fatores de risco para quem tem um distúrbio alimentar: grandes quantidades de comida, encontros familiares intensos, comentários sobre o corpo e expectativas de felicidade. Tudo isso pode gerar uma pressão emocional enorme. Além disso, há um desequilíbrio nas rotinas, horários de refeições alterados, mais consumo de açúcar e álcool, menos momentos de introspeção. Para quem já vive numa relação difícil com a comida, este ambiente pode agravar sintomas, gerar culpa e desencadear recaídas.
Como é que essas pessoas podem lidar com os ambientes familiares cheios de comida?
O primeiro passo é preparar-se emocionalmente. Trabalhar, com ajuda terapêutica, se possível, a antecipação das situações. Ter estratégias simples como:
- Comer com regularidade ao longo do dia (não jejuar antes da consoada);
- Ter um aliado à mesa, alguém de confiança que possa dar suporte;
- Fazer pausas: um passeio, uma ida à casa de banho para respirar;
- Estabelecer limites: não se sentir obrigada a “provar tudo” ou justificar escolhas alimentares;
- O importante é lembrar que comer deve ser um ato de autocuidado e não uma fonte de sofrimento.
Evitar a exposição a esses gatilhos pode ajudar ou piorar o transtorno alimentar?
Depende do grau do distúrbio e da fase do tratamento. Em casos mais agudos, pode ser protetor evitar certos contextos. Mas, a longo prazo, a evitação sistemática pode reforçar o medo e a ansiedade. A chave está na exposição gradual, com suporte psicológico, para que a pessoa vá ganhando confiança e autonomia emocional. É como reaprender a estar à mesa, sem medo.
Quais são as diferenças entre os modos de defesa de uma pessoa com bulimia e uma pessoa com anorexia quando exposta a estas situações? O que tende a acontecer?
Pessoas com anorexia tendem a evitar completamente os alimentos “proibidos” e podem recusar-se a comer ou controlar rigidamente cada porção. Já as pessoas com bulimia podem aparentar comer “normalmente” em público, mas depois recorrer a comportamentos compensatórios (vómitos, exercício excessivo, jejum). Ambas as respostas são formas de lidar com a ansiedade, mas têm impactos diferentes no corpo e na mente.
Como identificar esses casos e como ajudar?
Alguns sinais de alerta incluem:
- Preocupação excessiva com o corpo e a comida;
- Evitar refeições em grupo;
- Oscilações de peso ou comportamentos compensatórios;
- Comentários negativos recorrentes sobre si mesma.
A melhor forma de ajudar é com empatia e escuta ativa. Evitar julgamentos, oferecer apoio emocional e sugerir ajuda profissional são gestos fundamentais. Muitas vezes, só o facto de alguém sentir que “não está sozinha” já é um grande passo.
Que cuidados ou recomendações tem para os familiares que gostam de fazer apontamentos sobre o peso de alguém ou reparar no que as pessoas comem?
A principal recomendação é simples: não comentem. Comentários como “estás mais magra” ou “devias controlar-te” podem parecer inofensivos, mas são altamente prejudiciais. Nunca sabemos o que o outro está a viver. Em vez disso, foquem-se em elogios não físicos: “Estás com um brilho bonito”, “Gosto de te ver”. Criar um ambiente onde a pessoa se sinta aceite é mais valioso do que qualquer prato na mesa.














