Construção prolifera na Alta de Lisboa, entre mistura e segregação

  • 08/12/2025

As obras são, por esta altura, a banda sonora constante no território com o nome oficial de Alto do Lumiar, um dos poucos para onde a cidade de Lisboa ainda pode crescer.

 

Situada no extremo norte do concelho, envolvida pela 2.ª Circular, pelo aeroporto e pelo Eixo Norte-Sul, a zona antes saloia, onde só existiam quintas senhoriais, vê agora erguerem-se condomínios com apartamentos que podem chegar ao milhão de euros.

Naquela que foi a primeira grande parceria público-privada, entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Sociedade Gestora da Alta de Lisboa, o espaço ainda tem outra escala, os passeios são largos, respira-se entre prédios.

Com 300 hectares, a Alta de Lisboa, partilhada pelas freguesias de Lumiar e Santa Clara, foi projetada para acolher mais 20 mil pessoas do que as cerca de 40 mil que já nela habitam e é a essas que a construção para venda livre está a caminho de dar resposta.

Mas, no início, a prioridade foi outra, foi pôr fim aos bairros degradados (Musgueira, Quinta Grande e Cruz Vermelha, entre outros) e realojar as suas populações.

A Gebalis, gestora dos 12 aglomerados de habitações municipais da Alta de Lisboa, tem agora em curso um investimento superior a 3,3 milhões de euros para reabilitar duas dezenas de edifícios.

Nalguns bairros, já saltam à vista os prédios de cara recentemente lavada, mas outros há que continuam esbatidos por anos sem qualquer intervenção.

Três décadas depois da aprovação do "pioneiro e visionário" Plano de Urbanização do Alto do Lumiar (PUAL), a diretora de intervenção local da Gebalis, Mikaella Andrade, elogia a mistura de classes sociais que diz ter resultado da coabitação entre casas de venda livre e fogos sob gestão municipal.

"As pessoas coabitam e partilham as vivências e as redes de vizinhança, não se nota aqui uma segregação em termos de classes, de estratos socioeconómicos", assinala, notando a homogeneidade do edificado.

O arquiteto Manuel Abílio Ferreira concorda: "Foi um bocado da cidade pensada (...) e isso nota-se para bem."

Do ponto de vista arquitetónico, "houve um certo cuidado em termos de homogeneização dos materiais" e as habitações municipais "têm um desenho muito idêntico" aos restantes edifícios, aponta.

Mas nem todos os olhos veem o mesmo. Até porque na Alta cabem muitos PER -- sigla de Programa Especial de Realojamento pela qual são identificados cada um dos aglomerados habitacionais (do número 1 ao número 12) sob gestão da Gebalis -- e outros tantos condomínios.

O presidente da Associação de Residentes do Alto do Lumiar (ARAL), José Almeida, prefere falar em "tentativa de mistura", destacando que a convivência entre "as duas realidades" ainda não é a desejada.

As casas municipais têm "grandes problemas" e "o território não tem os equipamentos que o plano previa", faltando um auditório e um espaço cultural, uma biblioteca "razoável" e um complexo desportivo acabado.

Na prática, os residentes dos 3.200 fogos municipais ali existentes "não têm acesso às mesmas condições", desde logo porque não têm hipótese de buscar alternativas.

"Quem tem condições económicas pode obviamente fazer essas opções. Portanto, são duas realidades completamente distintas", separa.

Nuno Barbosa, presidente da Associação Bairro da Quinta Grande, concorda: "Misturamo-nos com os outros PER, mas com a [população da] venda livre temos pouca relação ou quase nenhuma (...). Talvez nos clubes ainda haja alguma mistura, no futebol, mas, por exemplo, na escola, quem é da venda livre não estuda na Pintor [Almada Negreiros], na D. José [I], estuda noutras escolas, não há essa mistura."

Residente "desde o início" no PER7 -- a que os habitantes preferem chamar Quinta Grande --, o animador sociocultural não vislumbra "nada de positivo" da construção que há de trazer mais gente para a Alta de Lisboa.

"Como está o país, dificilmente quem vem de novo vem com espírito para se misturar com os outros. (...) Para quem não vive nos bairros sociais, isto é dormitório, é só entra, dorme, sai", lamenta.

Enquanto isso, no PER7, não há um parque infantil, por exemplo. "Não se está a construir para a população, está-se a construir para quem vier (...) a habitar. (...) Podia crescer um parque novo, um novo sítio para estar, onde se pudessem juntar as duas realidades, mas não (...), está-se a construir prédios, mais prédios", critica.

A relação entre PER e venda livre já foi "bastante mais desequilibrada" e atualmente "a convivência faz-se pacificamente", considera o arquiteto Manuel Abílio, morador há 17 anos num dos primeiros condomínios da Alta.

"Não estamos numa situação de azeite e água", descarta, reconhecendo, porém, que a construção em curso pode trazer novos desafios, já que a venda livre está com preços "bastante elevados, um T2 facilmente atinge 450, 500, 550 mil euros", o que trará "uma nova camada" de habitantes.

"Estamos numa fase de transição, por assim dizer, entre uma convivência normal, até bastante saudável, entre habitantes PER-habitantes de venda livre, se é que se pode fazer essa diferença, e esta nova camada de moradores de apartamentos que já têm uns preços bastante consideráveis", situa, esperando para ver como é que os novos habitantes se vão relacionar com o resto da comunidade, por exemplo, se os seus filhos vão frequentar as mesmas escolas que todas as pessoas da Alta de Lisboa frequentaram.

Bastam umas horas no território para recolher relatos sobre o mau estado do interior das casas municipais.

A intervenção da Gebalis em curso está a incidir nas fachadas, a substituir janelas e coberturas, para melhorar o isolamento e a eficiência energética dos edifícios.

"É uma intervenção muito importante" para "o bem-estar das pessoas", mas "não chega", porque "há problemas gravíssimos, (...) alguns deles não têm resposta há mais de 10 anos, de pessoas (...) que têm as casas num estado miserável, cheias de bolor", detalha o vice-presidente da ARAL, João Tito Basto, baseando-se nas queixas que chegam diariamente ao "Balcão do Bairro" gerido pela associação.

Pela Gebalis, Mikaella Andrade reconhece que há "algumas zonas que carecem de um trabalho mais consistente" e que alguns PER "não estão ainda a 100%", nomeadamente em termos de acessibilidades. Há rotundas que ainda não têm todas as saídas abertas e bairros onde se entra e sai pela mesma e única via.

"É um caminho, não é algo que se faça de um dia para o outro", sublinha.

Entretanto, o contrato com a Sociedade Gestora da Alta de Lisboa foi cancelado, após a renovação ter sido chumbada pela Assembleia Municipal de Lisboa, em março passado.

Em resposta à Lusa, a autarquia de Lisboa admite "a promoção de habitação pública nas parcelas cuja afetação seja predominantemente residencial" e assegura que a "decisão futura" sobre o solo municipal será "sempre enquadrada pelo Plano de Urbanização do Alto do Lumiar [PUAL]".

O executivo de Carlos Moedas realça que "ainda não é possível aferir, com exatidão, todo o impacto da decisão" de suspender o contrato, "cuja avaliação se encontra em curso", mas foi já mencionando "diversos tipos de impactos, diretos e indiretos, nomeadamente financeiros", obrigando a paragens de obras que estavam em execução e à suspensão de projetos.

Leia Também: PSP faz buscas na Alta de Lisboa e na Ameixoeira. Há cinco detidos

FONTE: https://www.noticiasaominuto.com/pais/2901055/construcao-prolifera-na-alta-de-lisboa-entre-mistura-e-segregacao#utm_source=rss-ultima-hora&utm_medium=rss&utm_campaign=rssfeed


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