Clara Pinto Correia teve "AVC no fim do verão", meses antes de morrer
- 11/12/2025
A notícia da morte de Clara Pinto Correia abalou o país na manhã de terça-feira, 9 de dezembro. A escritora, professora universitária e bióloga foi encontrada morta na casa onde vivia, em Estremoz, no Alentejo. Tinha 65 anos.
Nesse mesmo dia foi partilhada no site Página Um, página jornalística fundada em 2021 pelo jornalista Pedro Almeida Vieira, a última crónica escrita por Clara Pinto Correia antes de morrer.
Trata-se de um texto com o título "Acredito na Filosofia", onde a escritora revelava ter tido um AVC (Acidente Vascular Cerebral) no verão de 2025.
"[...] tive um AVC no fim do Verão", pode ler-se no texto, escrito no início de novembro deste ano e no qual fala essencialmente sobre as sequelas de quem sofre um problema de saúde como este.
"[...] Só que, como não nos dizem nada quando nos dão alta, não vamos dali preparados para vivermos com o cérebro a meio-gás. Eu, por exemplo, fui directamente do hospital para a praia com autorização médica. E acreditava mesmo que aquelas duas semanas enevoadas se tinham esfumado completamente. Por que é que não havia de acreditar? Os AVCs não são a minha área de especialidade, e não houve uma única pessoa que me dissesse que, depois das crises agudas, deixam atrás de si um rasto que pode durar meses."
Na mesma crónica, Clara Pinto Correia conta que vivia em Estremoz há cinco anos e que desde então nunca tinha feito férias. Decidiu que 2025 seria o ano de voltar à praia, tendo sido no Algarve, na companhia de uma amiga, que os sinais de AVC se tornaram ainda mais evidentes e levaram a que procurasse ajuda médica.
"]...] foram três dias de praia e cinco dias de hospital", contou.
"Agarrou em mim e levou-me logo para Lagos, de onde me mandaram logo para Portimão, onde ainda demorei dois dias para recomeçar a falar e conseguir andar, mas depois comecei a arrebitar e não houve mais dramas. Hoje horroriza-me pensar que aquilo me podia ter dado sem ninguém notar", realçou, referindo-se à amiga que a ajudou.
Por fim, a escritora aproveitou a crónica para lamentar a falta de campanhas sobre os sintomas de AVC e apelou a que sejam feitas de forma a prevenir.
"Fazem-se tantas campanhas para prevenir tantas doenças e os AVCs tornam-se tão prováveis a partir de uma certa idade, era um mínimo de cautela básica educar também as populações sobre sintomas que podem ser sinais vermelhos", apelou, oferecendo-se até para dar a cara numa possível campanha sobre o tema.
"Aviso à Ordem dos Médicos e à Indústria Farmacêutica: se é por não terem ninguém que dê a cara, eu ofereço-me já. Para tudo o que quiserem. E não quero que me paguem nem um cêntimo, porque isso seria deveras vil. Quero é que a vida dos portugueses não acabe cedo demais porque nunca ninguém os ensinou a reconhecer o temível sinal de alarme que, de repente, se acende no meio de um nevoeiro cerrado", escreveu.
A crónica recente em que confidenciava ter sido violada
Em novembro deste ano, o mesmo Página Um publicou uma crónica de Clara Pinto Correia com o título "Me too". Neste texto profundo e revelador, a escritora dizia ter sido violada há precisamente cinco anos.
O texto, que alguns questionam se terá mesmo sido um episódio verdadeiro ou apenas ficção contada na primeira pessoa, refere que a alegada violação aconteceu numa noite de Natal quando a escritora tentava apanhar o autocarro para regressar à casa para onde se tinha mudado há pouco tempo em Estremoz.
"Queridas manas e mais família, queridas amigas e amigos, queridos filhos e netos, só posso pedir-vos desculpa mas não dei por isso, fiquei traumatizada até ao mais fundo do meu coração por um janado que me violou na Malorada numa noite de chuva, com a complacência do Guarda da Estação", pode ler-se no texto.
"Era noite de Natal, aquela única noite do ano em que toda a minha família se junta e se ri a pôr a escrita em dia, a saborear tudo quanto há de bom e a visitar os que nos são queridos. Foi tudo como manda a lei, mas o regresso foi complicado. Vivia-se uma fase caótica do confinamento, chovia a potes, e eu ia esperar pelo último expresso para Estremoz, com o bilhete enrolado entre os dedos", conta.
No mesmo texto diz ter sido abusada por um jovem a quem chamou Tiago, que se ofereceu para dar-lhe boleia até Estremoz com o objetivo de a violentar.
O esclarecimento de Pedro Almeida Vieira sobre a alegada violação
Pedro Almeida Vieira, diretor e fundador do site Página Um, onde eram partilhadas as crónicas de Clara Pinto Correia, falou sobre o texto onde a professora universitária descreve ter sido violada numa espécie de carta de despedida à qual deu o nome de "Adeus, Rainha" e na qual se despede da amiga.
"A única crónica que me aterrorizou, pela possível verdade nela contida, foi a do «Me Too». A primeira versão chegou-me em Agosto, excruciante, quase insuportável. Durante meses pedi-lhe que ponderasse: não porque duvidasse da sua coragem, mas porque temia pela ferida que pudesse reabrir - nela e nos leitores", referiu o jornalista.
Recorde-se que não são conhecidos ainda detalhes oficiais sobre a morte de Clara Pinto Correia. Porém, a SIC avançou com a informação de que as causas podem estar relacionadas com um "episódio de doença súbita".
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