Analistas dizem que há um novo mundo e Europa tem de ser "pragmática"
- 22/11/2025
"A visão europeia tem de ser o mais pragmática possível", até porque "há um novo panorama internacional, que não está bem definido, e com o qual eu creio que a União Europeia [UE] não está à vontade", sustenta Clara Carvalho, professora do Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
O cenário internacional "mudou muito desde a última cimeira [em 2022 em Bruxelas]", salienta, lembrando que "a Europa estava a assistir ao princípio da guerra na Ucrânia", que persiste, juntamente com outros conflitos. Soma-se, explica, a forma como os Estados Unidos e o seu Presidente, Donald Trump, "se relaciona com as organizações multilaterais" como a União Europeia (UE) e com África, privilegiando a escolha de relações bilaterais e selecionando parceiros estratégicos, numa "reformulação completa" da diplomacia norte-americana, exemplifica.
Um desafio para a UE, que se via até há pouco tempo como principal parceiro de África, e que é agora confrontada com a entrada e influência de novos atores internacionais, como a China, a Turquia e a América Latina -- fruto da cooperação Sul-Sul -, só para dar alguns exemplos, sublinha a especialista.
O pior, afirma, é que "há interesses básicos de países africanos, aos quais a UE não dá qualquer tipo de resposta". E "à frente de todos eles talvez esteja a questão da arquitetura financeira e do alívio da dívida", nomeia, notando que "não se tem assistido a nenhuma abertura por parte da UE em negociar a este nível".
Outro problema, é que "as cimeiras costumam ser sobretudo simbólicas" e "as grandes decisões, muitas vezes até, não são sequer ali colocadas".
Contudo, Clara Carvalho destacou que, há cerca de um mês, no último encontro do Global Gateway em Bruxelas, "houve de facto negociações muitíssimo mais pragmáticas do que é habitual", sendo possível "prever que esse tipo de abordagem venha a acontecer, porque é necessária".
E é necessária porque, enfatiza, "a Europa precisa de África e desta aliança geoestratégica, de mão-de-obra, de ter uma migração estruturada, de investir e de ter novos mercados, até pela proximidade".
Apesar do último sinal encorajador, a académica deixa um alerta: "Há uma certa tendência de o lado europeu esquecer-se de algo que o lado africano não se costuma esquecer. É que a Europa colonizou quase todos os países africanos. Há este passado que não é esquecido e os europeus têm tido esta filosofia de serem os doadores, de quem indica as regras. E isso não pode ser assim. Esta atitude tem de ser ultrapassada".
A investigadora Carina Franco acredita que, precisamente, "a questão das reparações históricas" será um dos "temas principais" devido ao "histórico do colonialismo nas sociedades africanas".
A professora no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa nota que, "quando se falar das reparações históricas, nem é tanto a questão financeira, mas mais simbólica, a reparação histórica no sentido de se reescrever a História e mudar a narrativa daquilo que é África e as relações de África com o continente europeu".
Outro dos temas abordados segunda e terça-feira em Luanda será a segurança, cujo financiamento "traz desafios para a União Africana enquanto organização, em termos de sustentabilidade e durabilidade financeira e das suas intervenções", acrescenta, recordando que "a União Europeia perdeu um pouco o rumo na questão do Sahel", palco de violência extremista, de golpes de Estado e onde se tem assistido ao afastamento da influência francesa na região, num continente africano que dispensa, sublinhou, a bagagem do neocolonianismo e ameaças à soberania.
Finalmente, conclui, na mesa redonda euro-africana será igualmente debatido o multilateralismo, quando se assiste "cada vez mais" a discussões promovidas a um nível bilateral, com estes fóruns, como o da Cimeira UE-UA, "a terem talvez um papel cada vez mais secundário nas decisões".
A Europa precisa de maior pragmatismo, considera, admitindo ter visto sinais recentes da diplomacia europeia de que se pode fazer este caminho na UE à boleia de uma "abordagem transacional", uma política externa onde a UE negoceia e coopera com outros países com base em acordos pragmáticos e muito focada nos interesses mútuos, menos nos princípios ideológicos.
Ainda usando o exemplo da segurança, Carina Franco antevê que se vai "ver cada vez mais este tipo de cooperação ao nível de segurança, ao nível bilateral, nesta modalidade transacional, de troca de favores ou troca de valores, como se quiser chamar".
"Mas há aqui, de facto, uma mudança de paradigma", sublinha, lembrando, contudo, pelas boas razões, um dos pontos incontornáveis a abordar na Cimeira UE-UA: a Estratégia Global Gateway da União Europeia, um plano para financiar projetos de investimento sustentável, que a académica afirma que tem consolidado a estratégia de cooperação e de investimento público no setor privado africano.
A UE é constituída por 27 países, incluindo Portugal. A UA é composta por 55 nações, incluindo Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique.
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